07 abr, 2025 - 09:38 • Lusa
Chegam às primeiras horas do dia, estacionam o carro nas artérias centrais de Maputo e, de mala aberta, vendedores informais conseguem o sustento para a casa, servindo refeições na rua a preços de saldo.
De touca na cabeça e guarda-sol montado junto à mala, para proteger os clientes e a comida, Faruk Matsinhe, 30 anos, estacionou o carro na avenida 25 de Setembro, baixa de Maputo, durante a manhã.
Uma rotina igual há mais de 15 anos, quando herdou o negócio do pai, na sua morte, vender feijoada e "boa verdura nacional" a 100 meticais (1,45 euro). Os clientes são os que trabalham por ali, muitos também em negócios informais, de rua, e que procuram comida rápida e barata.
"Do meu pai aprendemos, adquirimos experiência. Quando, infelizmente, meu pai perdeu a vida demos continuidade ao trabalho", explicou à Lusa Faruk.
As panelas que se avolumam no carro foram confecionadas em casa, nos subúrbios da capital, e o interior da mala, aberta, serve para o último preparo, antes de servir o cliente.
É um dos mais de 13,4 milhões de moçambicanos, cerca de 430 mil só na cidade de Maputo, que se dedica aos negócios informais, de rua, onde se vende quase de tudo, segundo o Inquérito ao Mercado Informal, realizado em 2021 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
No menu servido a partir da mala, que varia consoante os dias, Faruk diz que também não pode faltar o peixe vermelho, carne com amendoim e frango grelhado à zambeziana, por até 200 meticais (2,90 euros).
São 13h00 e Faruk já tem a banca improvisada a servir clientes, como Rui Manhiça, o primeiro do dia, que não resiste ao aroma da feijoada que vai saindo do carro.
"Gosto muito. De segunda a sexta-feira compro aqui, moelas com feijão", explica Rui Manhiça, justificando que, além do preço, escolhe aquela banca "porque a comida é boa".
Entre a azáfama das panelas e das embalagens descartáveis onde serve a comida, Faruk Matsinhe garante que é o seu "negócio", que vê como "empresa" e até conta com quatro colaboradores, apoiando a distribuição da comida, além do próprio filho, que também ajuda.
Do negócio de rua leva o sustento para a casa, como milhares de famílias em Maputo, sendo precisamente o comércio que domina na capital, segundo o estudo do INE, com 33,5% da atividade informal.
É também o caso de Carla Bernardo, 41 anos, que estacionou o carro próximo ao porto de Maputo, na baixa. De mala aberta, onde improvisa a banca, recorda à Lusa que entrou na atividade há cerca de oito anos: "Eu sou a única na família que faz esse negócio, e tenho as minhas crianças que eu sustento na base deste negócio".
Acrescenta que as maiores dificuldades têm sido a fiscalização da Polícia Municipal, mas também, em certos dias, a falta de clientes, apesar da carne de vaca e do frango bem servida e que habitualmente prepara em casa para servir na rua.
"O rendimento depende do movimento de cada dia", desabafa, assumindo que há dias bons e outros nem por isso, sendo este o único sustento que leva para os quatro filhos que tem em casa.
Já segue a Informação da Renascença no WhatsApp? É só clicar aqui
Madalena é comerciante no centro de Maputo e opta por estes serviços de comida improvisados nos carros, até porque são baratos e, afirma, têm qualidade, como o de Faruk Matsinhe, onde optou por carne de vaca com amendoim.
"O negócio é uma boa iniciativa, eles fazem boas refeições, e a um preço um pouco razoável", explica, justificando: "Ajuda porque não temos a possibilidade de comprar no restaurante".
Faruk Matsinhe explica que estes vendedores informais de comida nos carros pessoais chegaram a criar uma associação para os defender, face à fiscalização da polícia, que por vezes chega e os retira do local.
"Fomos banidos, temos uma associação, mas por enquanto a associação encontra-se em dificuldade", conta, admitindo que a falta de casas de banho ou águas residuais são problemas desta atividade.
Júlio Xavier, 45 anos, trabalha com a mulher junto à sede do Banco de Moçambique, no centro de Maputo. No dia 02 de janeiro de 2021 perdeu o emprego, devido aos impactos da Covid-19, e fez-se à rua, com uma banca improvisada onde vende de salada ao peixe, passando pelo pastel de feijão, pratos que começa a preparar com a mulher depois da 1h00.
"Por dia faço 30 pratos", explica, acrescentando que chega à rua pelas 6h30 e regressa a casa, praticamente de panelas vazias, depois das 15h30.
"Acaba tudo no mesmo dia (...). Por dia faço 2.000 meticais [29 euros]", disse Júlio, que cobra cerca de 100 meticais (1,45 euros) por cada prato de massa com salada e peixe que serve.
Em casa tem cinco filhos, dois ainda a estudar, mas todos ainda dependem do negócio que os pais têm na rua.
"Conseguimos sustentar os nossos filhos, sentar na nossa casa, conseguir comprar um saquinho de arroz e dinheiro para quando a criança está doente no hospital", acrescenta a esposa, Aida Cecília, reconhecendo que o negócio deu para ultrapassar as dificuldades da perda de emprego do marido.
"Quando acabou o emprego, nós ficámos em casa a morrer de fome, sem dinheiro nenhum. O meu marido procurou um sítio para nós vendermos (...), vamos lá experimentar na baixa [de Maputo]", recorda.
Agora, diz-se satisfeita, trabalham os dois, mesmo que de forma informal, nas ruas. E comida e estudos não faltam em casa.