06 abr, 2019 - 14:32 • José Pedro Frazão
O presidente do Conselho Económico e Social deteta mudanças no quadro sindical na Administração Pública, dando como exemplo a recente greve de enfermeiros. António Correia de Campos, antigo Ministro da Saúde, diz que a realidade está a mudar e a pedir adaptação de todos.
"Os sindicatos tradicionais perderam terreno em algumas áreas, definitiva ou temporariamente, para sindicatos que surgiram de repente. O caso do sector da enfermagem é um dos mais visíveis. Esses sindicatos têm métodos novos e perturbadores dos antigos equilíbrios. Isso é novo. E talvez ninguém saiba ainda verdadeiramente lidar com essa situação", afirma Correia de Campos na Renascença.
O antigo governante saúda a suspensão de novas greves dos enfermeiros que encara como um sinal de "aprendizagem de todas as partes" no equilíbrio que tem que ser encontrado entre os direitos à greve e ao acesso aos serviços públicos para cumprimento de direitos fundamentais dos portugueses.
Correia de Campos expressa "claras dúvidas" sobre a participação da Ordem dos Enfermeiros na greve mais recente.
"A lei que regula as ordens é absolutamente explícita no sentido em que esse organismo não pode intervir na vida sindical. E nós assistimos a essa intervenção quotidiana no período mais quente desses conflitos sindicais. Não há a menor dúvida. Basta documentar isto com os media da época", sustenta o antigo ministro que comentava o livro "Administração Pública Portuguesa" de António Tavares, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Pelo regresso da avaliação na função pública
Correia de Campos foi também presidente do Instituto Nacional de Administração, responsável pela formação de altos quadros públicos durante um largo período. O antigo ministro reconhece que a Administração Pública é atravessada hoje por uma descapitalização humana e material.
"Hoje há uma desmoralização da administração pública. Foi parcialmente compensada com a retribuição de parte dos níveis de remuneração, com a atenuação da carga fiscal e para-fiscal que se impôs a todos os portugueses e também aos funcionários públicos. Foi parcialmente recuperada e ainda há muita coisa a fazer. Tendencialmente devia haver essa recuperação a ser feita em simultâneo com a revisão das carreiras, que receio que não haja condições para fazer", sustenta o convidado do programa "Da Capa à Contracapa", que pode ouvir aqui na íntegra.
O antigo ministro lamenta a interrupção da avaliação sistemática na função pública, sublinhando pontos positivos como "sistemas de retribuição por mérito, promoções mais aceleradas e até prémios para classificações de excelente, interrompidos com o ajustamento estrutural imposto pela troika".
Daqui para a frente é preciso voltar a impor a avaliação na Administração Pública, defende Correia de Campos.
"É essencial retomar a avaliação transversal a todas as carreiras. Embora isso possa fazer cair governos e ministros, não há razão nenhuma razão para que os professores não sejam avaliados. Estou aliás convencido que a maior parte dos professores aceitam e desejam ser avaliados", argumenta na Renascença.
Quando os ministros perdem batalhas
No programa "Da Capa à Contracapa", Correia de Campos passou em revista os principais marcos da construção da Administração Pública portuguesa e admitiu que a partidarização da mesma começou no Governo liderado por Mota Pinto, em 1979.
O antigo ministro reconhece o poder dos diretores-gerais como quadros de topo da Administração Pública que ilustra de forma eloquente. "Um diretor-geral que se preza adora dizer que não a um ministro. Um ministro competente que se preza adora contrariar um diretor-geral. Mas também lhe digo que em 80% das vezes em que os ministros contrariam os diretores-gerais saem mal. E sai mal para o país, porque por alguma razão os diretores-gerais e os que estão no topo da hierarquia são pessoas experientes, respeitadas e de boa qualidade que por alguma razão persistem na sua posição", remata Correia de Campos.