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Caso "Sexta às 9"

Conselho de redação da RTP nega interferência política mas diz que faltou “bom senso” a Flor Pedroso

30 dez, 2019 - 14:03 • Redação com Lusa

Organismo contraria posição anterior do plenário, sem deixar de fazer críticas à atuação da direção de informação demissionária. Recomenda que intervenções em trabalhos em curso sejam comunicadas “de forma imediata e completa aos jornalistas responsáveis".

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O Conselho de Redação da RTP-TV afirma que "não foi apurada nenhuma evidência" sobre interferência política no "Sexta às 9" durante a campanha eleitoral e considera "imperativo" que "alegações" sobre o tema "sejam comprovadas pelos seus autores". Em causa está o facto de o programa não ter sido emitido durante a campanha legislativa e de ter sido adiada a emissão sobre o lítio.

Esta posição consta da deliberação do Conselho de Redação (CR) da televisão da RTP, datada de 29 de dezembro, a que a Lusa teve hoje acesso, na sequência do conflito que envolveu a Direção de Informação e o programa "Sexta às 9", coordenado pela jornalista Sandra Felgueiras, e na sequência do recente plenário de jornalistas.

O Conselho de Redação da RTP-TV entende ainda que "não ficou demonstrada nenhuma intenção propositada" da diretora de informação cessante, Maria Flor Pedroso, "no sentido de prejudicar a investigação jornalística" do "Sexta às 9" sobre o Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM).

Em 16 de dezembro, Maria Flor Pedroso colocou "o seu lugar à disposição" por considerar não ter "condições para a prossecução de um trabalho sério", na sequência de uma investigação ao ISCEM – instituição na qual lecionou –, em que foi acusada de ter passado informação privilegiada à diretora do instituto. A administração aceitou por não ter "outra alternativa", sublinhando o seu "currículo irrepreensível".

A polémica do lítio

Sobre as circunstâncias que conduziram à não emissão do "Sexta às 9" durante a última campanha eleitoral para as Legislativas, o CR entende que "não foi apurada nenhuma evidência sobre qualquer tipo de interferência política na decisão da Direção de Informação de não emissão do programa" durante aquele período, lê-se na deliberação.

"Perante as dúvidas levantadas por diversos setores, tendo em conta a importância decisiva do bom nome da redação, torna-se imperativo que quaisquer alegações sobre esta matéria sejam comprovadas pelos seus autores, de forma irrefutável", prossegue o órgão.

O CR da televisão da RTP sublinha ainda que "qualquer programa de jornalismo de investigação com a chancela da RTP - serviço público de televisão - não pode ficar dependente de constrangimentos de recursos humanos provocados pela sazonalidade", pelo que se torna "fundamental que sejam encontradas as soluções necessárias que ponham termo definitivo a esta situação".

O Conselho de Redação considera "igualmente aconselhável uma clarificação da linha hierárquica dos programas de jornalismo de investigação da RTP, por forma a preservar a autonomia jornalística das equipas de repórteres, bem como a legítima definição de linhas orientadoras por parte da Direção de Informação".

Nesse âmbito, "as metodologias de trabalho dos programas de jornalismo de investigação da RTP devem ser moldadas de forma a permitir a conclusão atempada das reportagens", isto "apesar de poderem ser introduzidas alterações motivadas por eventuais informações de última hora".

Esta deliberação acontece depois de "realizadas as audições com a diretora de informação, com a diretora-adjunta responsável pela informação não-diária e com a equipa do programa 'Sexta às 9', por um lado, e por outro, tendo em conta as conclusões do plenário de jornalistas".

O "Sexta às 9" tem estado na ordem do dia devido à sua não transmissão durante a campanha legislativa, nomeadamente pelo adiamento do programa sobre o lítio. Tal levou a que o grupo parlamentar do PSD tivesse requerido a audição da diretora de informação, Maria Flor Pedroso, da jornalista da RTP Sandra Felgueiras e do presidente do Conselho de Administração da RTP, Gonçalo Reis, os quais foram ouvidos no início de dezembro na comissão parlamentar de Cultura e Comunicação.

O caso ISCEM

A situação relativa à investigação sobre o ISCEM partiu de um relato feito por Sandra Felgueiras, em 11 de dezembro, numa reunião com o CR a propósito do programa sobre o lítio, em que adiantou que o "Sexta às 9" estava a investigar suspeitas de corrupção no âmbito do processo de encerramento da instituição, que passava pelo alegado recebimento indevido de "dinheiro vivo".

Nesse âmbito, a coordenadora acusou Maria Flor Pedroso de ter transmitido informação privilegiada à visada na reportagem [diretora do ISCEM, Regina Moreira], o que a diretora de informação da RTP "rejeitou liminarmente", de acordo com as atas do CR e com a posição enviada à redação pela diretora de informação.

"Não ficou demonstrada nenhuma intenção propositada por parte da diretora de informação no sentido de prejudicar a investigação jornalística levada a cabo pela equipa do programa 'Sexta às 9' acerca do ISCEM", refere a deliberação do CR.

Considera também que "deveria ter existido maior bom senso por parte" de Maria Flor Pedroso "quando questionou o ISCEM - através da ligação de docência que mantinha com a instituição - com recurso a informação privilegiada, referente a uma investigação" em curso.

"Nesse sentido, acreditando que o intuito da diretora de informação era auxiliar a reportagem, entende-se que todas as iniciativas realizadas pela diretora de informação deveriam ter sido imediatamente comunicadas à equipa do programa 'Sexta às 9'", prossegue.

O órgão salienta que, "no futuro, torna-se imprescindível que qualquer diligência efetuada por elementos da Direção de Informação, com o intuito de auxiliar investigações", tal "seja comunicada de forma imediata e completa aos jornalistas responsáveis pelos trabalhos em causa".

Por isso, "afigura-se manifestamente desejável a existência de extrema prudência na abordagem de matérias sob sigilo profissional dos jornalistas, em particular nas situações em que possa a vir ser alegado um eventual conflito de interesses", aponta, salientando ainda que no que respeita aos procedimentos adotados pela diretora-adjunta responsável pela informação não-diária, "apesar de não ter sido possível um esclarecimento presencial, não ficou evidente nenhum propósito intencional de prejudicar" a investigação.

Assim, "a metodologia adotada pela diretora adjunta responsável [...] o acompanhamento da investigação jornalística em causa poder-se-á enquadrar nos procedimentos internos de funcionamento" da direção, "sem que lhe deve ser imputada qualquer ação ilegítima".

Os membros do CR lamentam ainda "o clima de conflitualidade ocorrido", desejando que "seja retomada, quanto antes, a normalidade e a tranquilidade fundamentais para a realização de um joralismo próprio dos pergaminhos e da tradição da RTP, como tem sido apanágio da redação ao longo dos últimos anos".

O CR apela "para que todos os diferendos entre jornalistas sejam sanados através dos órgãos internos de representação, evitando, desta forma, indesejáveis fugas de informação para o exterior que podem tornar-se lesivas paraa os superiores interesses da redação e da RTP".

Os jornalistas da televisão da RTP, reunidos em plenário em 16 de dezembro, convocado sobre o caso ISCEM, lamentaram "a violação dos deveres deontológicos dos jornalistas e de lealdade para com a redação da RTP-TV por parte da diretora de informação demissionária, Maria Flor Pedroso, no decorrer da investigação", bem como "a falta de explicações por parte da diretora-adjunta Cândida Pinto -- ausente deste plenário [...] -- a quem é imputada conivência com a diretora de informação", lê-se no comunicado da altura.

Além disso, rejeitaram "qualquer tentativa de ingerência externa nas decisões que competem exclusivamente aos jornalistas da RTP-TV" e reafirmaram "a independência e a liberdade como pedras basilares do jornalismo", manifestando "a unidade da redação" da televisão "no compromisso de prosseguir este caminho".

Antes do plenário, o Conselho de Administração da RTP tinha anunciado que Maria Flor Pedroso tinha posto o lugar à disposição por considerar não ter "condições para a prossecução de um trabalho sério", na sequência do conflito com a equipa do "Sexta às 9".

Na sequência disso, a RTP indigitou José Fragoso, atual diretor de programas, para o cargo de diretor de informação de televisão, tendo obtido aprovação do CR da RTP-TV.

No entanto, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deu, em 23 de dezembro, "parecer negativo à proposta de acumulação de cargos de José Fragoso, pelo que a substituição de Maria Flor Pedroso no cargo está num impasse.

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