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Em Nome da Lei

Estado de emergência. Decreto de Marcelo é "carta em branco" ao Governo

06 nov, 2020 - 17:56 • Marina Pimentel

Estado de emergência é mecanismo "desadequado para uma crise de saúde pública como a que estamos a viver”, defende o professor de Direito Constitucional Vitalino Canas.

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O decreto do novo estado de emergência enviado pelo Presidente da República para o Parlamento, aprovado por uma maioria dos deputados esta sexta-feira, é uma carta em branco ao Governo.

É o que defende na Renascença Vitalino Canas, professor de Direito Constitucional e antigo porta-voz do PS, para quem a declaração de estado de emergência assinada por Marcelo Rebelo de Sousa “é demasiado 'light', porque remete tudo para o Governo”. E isso acontece, adianta, "não porque o PR seja um mau jurista mas porque o estado de emergência é desadequado para uma crise de saúde pública como a que estamos a viver”.

O antigo secretário de Estado no Governo de António Guterres diz que o decreto presidencial “é tão vago que, olhando para ele, não se consegue saber se as reuniões que tem marcadas para segunda-feira vão ou não poder acontecer”.

Paulo Mota Pinto, antigo juiz do Tribunal Constitucional, espera sobretudo que as medidas que o Governo venha a tomar ao abrigo do estado de emergência “respeitem escrupulosamente a igualdade de tratamento, ao contrário do que tem vindo a acontecer, com o Governo a autorizar concertos, touradas e festas mas a não deixar ir aos cemitérios”.

O constitucionalista, que é membro dos órgãos de direção do PSD, lembra que, estando o país sob estado de exceção, ”quem desrespeitar as ordens que vierem a constar do decreto que o governo vier a aprovar comete um crime de desobediência”.

Questionado sobre um dos fundamentos para a convocação do estado de emergência, dar ao Governo a possibilidade de utilização dos meios de saúde privados ou do setor social ou cooperativo, Paulo Mota Pinto defende que “essa utilização deve ser conseguida por acordo”. Embora o decreto presidencial abra a porta à requisição civil, o professor de Direito Constitucional diz que “ninguém compreenderia que o Governo requisitasse o que nunca tentou obter por acordo”.

Também constitucionalista, mas situado politicamente à esquerda, António Felipe defende que “não precisamos neste momento de um estado de emergência" que é "demasiado pesado", por ser um "estado de exceção constitucional que só deve ser usado numa situação de desobediência”; por exempplo, quando as pessoas se recusarem a acatar as regras impostas ara salvaguarda da saúde pública. Ora não é isso que acontece.

No programa "Em Nome da Lei" da Renascença, o deputado comunista António Felipe recorda que” os portugueses não deram até agora qualquer sinal de não quererem acatar as regras que vão sendo impostas”, pelo que “não faz qualquer sentido convocar o estado de emergência".

O jurista da bancada do PCP receia que, “a coberto do estado de emergência, se façam coisas sem qualquer sentido como as operações stop que aconteceram durante o primeiro período de estado de emergência, no início da pandemia”. E defende que para tomar as medidas que são necessárias neste momento "é suficiente a lei da emergência em saúde pública”.

Revisão constitucional?

Vitalino Canas não concorda que, tal como estão, quer a lei de emergência em saúde pública quer a da proteção civil possam acautelar a crise de saúde pública que vivemos e dar a segurança jurídica necessária às medidas que é preciso adotar. Mas defende que se "deveria pegar nessas leis e densificá-las, com o envolvimento do Parlamento, cuja intervenção no contexto da pandemia tem sido sobretudo a posteriori”.

O professor de Direito Constitucional entende, pois, que o que é preciso é “algo mais cirúrgico" e não uma revisão da Constituição para prever situações de pandemia, uma ideia que tem vindo a ser defendida pelo Presidente da República, pelo líder do PSD e também pelo primeiro-ministro.

Paulo Mota Pinto discorda. Defende que o processo de revisão constitucional, aberto com a entrega do projeto do Chega e a que se juntou o projeto da Iniciativa Liberal, “é o momento para todos os partidos que querem fazer mudanças constitucionais apresentarem as suas propostas”. O ex-juiz do Tribunal Constitucional, que faz parte dos órgãos da direção social-democrata de Rui Rio, diz que, independentemente de as propostas do Chega serem para rejeitar, "é pouco democrático ignorá-las". E para os partidos que têm vindo a defender mudanças na Constituição "é difícil justificar que não o façam agora que está aberto o processo”.

O jurista do PCP António Felipe “espera que o PSD não apresente” o seu projeto de revisão durante o processo aberto pelo partido de André Ventura. ”Se o PSD quer ser levado a sério”, diz António Felipe,” então que apresente o seu projeto noutra altura”.

O estado de emergência foi o tema em debate na edição deste sábado do Em Nome da Lei, um programa da Renascença, transmitido aos sábados ao meio-dia e à meia-noite.

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