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Saragoça da Matta

"Na cabeça de quem é que nasceu este ‘espantalho’ que atemoriza o poder político?"

03 jan, 2024 - 18:27 • José Pedro Frazão

Numa reflexão sobre a Justiça ao cabo de 50 anos de Democracia, o advogado Paulo Saragoça da Matta considera que o poder político se verga perante a pressão das magistraturas em Portugal, destacando o papel do Ministério Público. No programa "Da Capa à Contracapa" o jurista critica ainda a lentidão e o conservadorismo da jurisprudência e lamenta a falta de mobilização dos cidadãos no domínio da Justiça.

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Numa reflexão sobre a Justiça ao cabo de 50 anos de Democracia, o advogado Paulo Saragoça da Matta deteta uma "soberba permanente" nos tribunais entre quem é titular do órgão de soberania e quem é de "uma casta inferior". A única exceção, diz o advogado, está na equiparação - que considera errada - do Ministério Público à magistratura judicial.

"Faz sentido dignificar [o Ministério Público], dar-lhe condições, autonomia e independência. Mas não pode ser igual à magistratura judicial. Na cabeça de quem é que nasceu este ‘espantalho’ que atemoriza o poder político? É muito claro que, a partir de meados da década de 90, a cada pressão que é feita pelas magistraturas, o Estado e o poder político vergam, claudicam", afirma o advogado especializado em criminalidade económica e financeira no programa "Da Capa à Contracapa", que esta semana debate o papel da Justiça nas cinco décadas de Democracia em Portugal.

Interveniente como advogado em diversos processos mediáticos, Saragoça da Matta diz ser inaceitável que um arguido seja detido preventivamente por indícios de crimes graves que depois não constam da acusação.

O advogado acredita que uma estratégia de "prender para investigar" vai ser mitigada em breve devido à mudança de atores processuais nos tribunais mais importantes do país, como os juízes Carlos Alexandre e Ivo Rosa.

"Nós não queremos que a seguir venha um juiz mediático. Um juiz mediático trouxe-nos onde estamos em certas coisas", afirma Saragoça da Matta, que lembra que está em vigor uma lei de 1985 que responsabiliza os magistrados judiciais por erros graves e dolosos.


O "pobre" ministro contra as magistraturas

No debate com o professor universitário Nuno Garoupa, Paulo Saragoça da Matta diz que há falta de cidadania em Portugal para exigir melhor Justiça, ressalvando que nem tudo o que está mal é da responsabilidade do Ministério Público. O advogado sublinha que o peso das magistraturas é evidente - " são as únicas 'vacas sagradas' que remanescem"- em contraste com um cargo como o de ministro da Justiça.

"Coitado de quem aceita o cargo. Sinceramente, era um cargo que eu odiaria ter alguma vez. Tem que lutar contra corporações extremamente fortes. Qualquer ato legislativo na área da justiça choca em várias vertentes, com oposições, com corporações enormes e fortíssimas como a da magistratura judicial, magistrados do Ministério Público ou de funcionários judiciais", afirma Saragoça da Matta no programa " Da Capa à Contracapa" da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Num olhar retrospetivo sobre o contributo da Justiça para as cinco décadas de Democracia, o causídico destaca a "efetivação muito maior do princípio da igualdade" e as conquistas mais determinadas pela via legislativa do que pela jurisprudência.

"Temos uma jurisprudência extremamente lenta na evolução, no modo como pensa os problemas e muito medrosa. Entre duas soluções, uma criativa e outra conservadora, de certeza que o Tribunal vai preferir a segunda", argumenta Saragoça da Matta.

Para o futuro, o advogado recomenda uma aposta na transparência da Justiça em Portugal, para travar a opacidade que diz detetar no sistema judicial.

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