13 jan, 2025 - 16:40 • Ana Kotowicz
Há uma extensa reforma a fazer na justiça, defendeu o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que, sete meses após a sua tomada de posse, considerou que pouco foi feito nesse sentido. Em junho passado, recordou João Cura Mariano, colocou "uma pulseira vermelha naqueles problemas que exigiam um atendimento imediato", mas, apesar disso, "os diagnósticos são acertados, os planos de tratamento são adequados, mas a prestação dos cuidados necessários tem tardado sem que se perceba a demora".
O presidente do Supremo Tribunal falava esta segunda-feira durante a abertura do ano judicial.
Outra ideia deixada por João Cura Mariano foi a de que os estudantes universitários com as notas mais altas pudessem ser dispensados dos exames escritos, exigidos no acesso à magistratura, mas mantendo-se obrigatórias as provas orais. Esta seria "uma forma de atrair os alunos que, potencialmente, reúnem as melhores condições para o exercício de funções de tamanha responsabilidade", mas permitindo nas provas orais "despistar os casos em que esses indícios de aptidão não se confirmassem".
A sugestão, na opinião de Cura Mariano, poderia ser incluída na proposta de lei que vai alterar o regime de ingresso nas magistraturas — aprovada, no Parlamento, na generalidade e a ser discutida na especialidade.
Além de falar da entrada na profissão, falou também na saída e no envelhecimento dos juízes, um tema para o qual tem alertado em diversas ocasiões. "Está previsto que nos próximos 6 anos se reformem cerca de 600 juízes", disse, frisando que "o número de juízes existentes já não é sequer suficiente para preencher os quadros existentes". O "drama dos tribunais sem juízes", lamentou, está a ser resolvido com recurso a "um indesejável regime de acumulação de funções de grande exigência" e por quem "se disponibiliza a trabalhar para além do serviço que lhe está distribuído".
A solução passa, defendeu, por dar mais meios ao organismo que forma magistrados, o Centro de Estudos Judiciários (CEJ).
O essencial do discurso de João Cura Mariano centrou-se na reforma da justiça e que, na sua opinião, continua por fazer.
"Quando tomei posse a 4 de junho do ano que terminou, assumi as funções como Presidente deste Tribunal, num tempo em que a justiça, mais uma vez, estava na crista da onda discursiva, sob o signo da crise e da desconfiança e a sua reforma era um desígnio nacional prioritário", disse Cura Mariano. "Mas como sucede com qualquer onda, a sua duração foi momentânea e rapidamente se quebrou e se desfez na espuma dos dias", concluiu.
Por isso, insistiu: "Cumpre-me, por isso, relembrar que no sistema de justiça, após um longo período de inação, há uma extensa reforma por fazer" e que passará, entre outras coisas, pela revisão do Código Penal, do Código de Processo Penal e do Estatuto dos Funcionários Judiciais. O que falta, acredita, é que haja celeridade também do lado de que faz as leis.
"Se o tempo da justiça é muitas vezes acusado de se caraterizar por uma lentidão exasperante, o que dizer do tempo da feitura das leis?", questionou o presidente do Supremo.
No final do seu discurso, e oferecendo-se para colaborar ativamente na resolução dos vários problemas que elencou, o presidente do Supremo visitou o mundo da ficção, numa referência a uma das personagens do Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien, depois de questionar "como é possível tamanha inércia política" ou tamanho "desinteresse" pelas condições de exercício da função judicial.
"O sábio Gandalf, personagem do Senhor dos Anéis, lembrava que não nos é dado escolher o tempo em que vivemos, mas apenas o que fazer com os tempos em que nos foi dado viver", concluiu João Cura Mariano.