04 fev, 2025 - 18:11 • Fátima Casanova
Há mais um caso de eventual ilegalidade na acumulação de funções. O delegado regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo, Pedro Florêncio, enquanto diretor escolar em Setúbal, também explorava um alojamento local na mesma cidade.
Pedro Florêncio manteve a situação durante largos meses, o que não impediu que fosse nomeado para o cargo atual, em 2023.
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O atual delegado regional era diretor do Agrupamento de Escolas da Ordem de Santiago, em Setúbal, quando abriu um alojamento local (AL).
Uma situação que, de acordo com a legislação em vigor, é ilegal. Basta consultar o decreto-lei 75 de 2008, aplicável aos diretores e órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino públicos.
O número 2 do artigo 26 é claro: diz que "o exercício das funções de diretor faz-se em regime de dedicação exclusiva". E, se dúvidas ainda existissem, o número 3 do mesmo artigo veda qualquer possibilidade de acumulação de funções, como adianta Isabel Araújo Costa, especialista em Direito Laboral, na Sociedade Antas da Cunha, que acrescenta que “o regime de dedicação exclusiva implica a incompatibilidade do cargo de diretor com quaisquer outras funções públicas ou privadas, remuneradas ou não. Portanto, conclui esta especialista, "acaba por trancar, digamos assim, vedar qualquer possibilidade, do exercício de outras funções fora destas funções de diretor”.
Isabel Araújo Costa adianta que neste caso a lei é muito clara e nem abre a possibilidade de pedido de autorização prévia para a acumulação de funções, porque este decreto-lei “não remete, como o faz o estatuto do pessoal dirigente, não remete para os artigos 21 e 23 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, porque aí no estatuto do pessoal dirigente pode existir ainda esse pedido de autorização aqui parece mesmo vedar” qualquer possibilidade de acumular funções.
Advogado Isabel Araújo Costa explica o que está em causa
O artigo 26 prevê, no entanto, exceções, que vêm descritas no número 4, como por exemplo, "participar em órgãos ou entidades de representação das escolas, atividades de criação artística e literária, a realização de conferências, palestras, o próprio voluntariado", como enumera Isabel Araújo Costa, que sublinha que, sem conhecer os contornos do caso concreto, "a situação de suposta acumulação que está aqui em causa, que seria com um alojamento local não cai em nenhuma destas exceções e, portanto, nesta medida, a lei parece muito clara e objetiva e faz implicar automaticamente incompatibilidade e depois temos aqui uma expressão que não parece despicienda que o legislador empregou que é com quaisquer outras. Portanto, isto é mesmo de molde a abarcar praticamente tudo e impedir, de facto, que haja esta acumulação”.
A Renascença consultou o processo para a abertura do alojamento local, que data de 2022 e que tem como requerente Pedro Florêncio, que à data era diretor escolar.
Em julho de 2023, foi nomeado em regime de substituição para delegado regional de educação de Lisboa e Vale do Tejo. Sete meses depois é publicado o despacho com a nomeação definitiva.
Com as novas funções passa a ser aplicada a lei 2 de 2004. Neste caso, o artigo 16 também diz que existe regime de exclusividade, mas remete para a lei geral do trabalho em funções públicas, que admite o pedido de autorização prévia para acumular funções.
A Renascença questionou o Ministério da Educação. Até ao momento sem resposta, mas com consequências imediatas: o alojamento em nome de Pedro Florêncio deixou esta terça-feira de estar disponível para arrendar na plataforma online Booking.
"Informamos que a reserva que fez no AL Florence será cancelada, uma vez que a propriedade será desativada. Pedimos desculpa por eventuais transtornos", informa uma mensagem a que a Renascença teve acesso.
O alojamento local tem várias mensagens de clientes da plataforma Booking, onde elogiam a disponibilidade do proprietário.
"Uma estadia curta mas perfeita! Obrigado ao Pedro. O proprietário é muito generoso com o seu tempo connosco". refere uma publicação de 27 de setembro de 2023.
Noutra datada de 16 de agosto de 2024, um cliente escreve que: "Pedro tratou-nos bem e foi sempre atencioso, com boas recomendações".