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Disparam os pedidos de ajuda à Cruz Vermelha de pessoas sem-abrigo e vítimas de violência doméstica

10 fev, 2025 - 06:30 • Sandra Afonso

Na véspera dos 160 anos da CVP, o presidente da Cruz Vermelha alerta para o aumento dos pedidos de apoio nos últimos anos. Em 2024, os pedidos de bens de primeira necessidade subiram 62% e os pedidos de ajuda aumentaram 53%, face ao ano anterior.

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Aumentaram, no último ano, em mais de 5O por cento os pedidos de bens de primeira necessidade e de ajuda à Cruz Vermelha Portuguesa (CVP).

O presidente da instituição, António Saraiva, garante que as contas da organização estão equilibradas e até reconhece que o Estado já começou a rever os preços pagos pela prestação de serviços, mas diz que será necessário mais financiamento para garantir o apoio este ano.

Na véspera dos 160 anos da CVP, António Saraiva alerta, em entrevista à Renascença, alerta para o aumento dos pedidos de apoio nos últimos anos. Só em 2024, os pedidos de bens de primeira necessidade subiram 62% e os pedidos de ajuda aumentaram 53%, face ao ano anterior.

António Saraiva diz que as situações mais expressivas encontram-se entre as pessoas em situação de sem-abrigo e as vítimas de violência doméstica e diz ser notório que na imigração está uma das causas para o aumento dos sem-abrigo.

Sobre as contas da CVP, Saraiva diz que estão equilibradas, depois de vários anos no vermelho, e que o Estado já começou a rever os protocolos, que, com valores desatualizados , já não cobriam os custos dos serviços prestados.

No entanto, a resposta social da Cruz Vermelha em 2025 vai depender do aumento do financiamento. Este depende em 86% de vendas e da prestação de serviços. O restante são donativos e outras fontes.


Qual é hoje a principal missão da Cruz Vermelha Portuguesa?

Está inspirada pelos ideais de Henry Dunant, o fundador do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, que defendia a assistência humanitária imparcial, neutra e independente. É com este espírito que a Cruz Vermelha, diariamente, há 160 anos em Portugal, entrega assistência, auxilia os mais necessitados. Este ano, com uma linha de atuação pela dignidade, porque a dignidade é que resume o alívio da necessidade urgente, e a dignidade é devolver às pessoas a confiança e os meios para prosperar.

É com este propósito que desenvolvemos programas e projetos estruturantes: o apoio a idosos, a integração de migrantes e refugiados, o suporte às pessoas em situação de sem-abrigo, a proteção das vítimas de violência doméstica, a promoção da saúde e o fomento do ensino e da formação.

Nem sempre a Cruz Vermelha é percecionada pela população, mas é toda esta gama de valências que diariamente, 365 dias por ano, estão disponíveis. Celebrarmos este ano os 160 anos, um marco histórico e de grande significado, numa trajetória baseada na dignidade humana, este ano com este mote da dignidade.

Diria que em 160 anos a instituição conseguiu manter-se fiel ao propósito para o qual foi criada?

Sim, temos pautado a atuação por sete princípios fundamentais: a humanidade, a imparcialidade, a neutralidade, a independência, o voluntariado, a unidade e a universalidade. É com estes sete princípios e através deles que nas nossas 147 delegações espalhadas pelo país garantem diariamente assistência humanitária, o nosso objetivo.

Logo no início do seu mandato, defendeu uma gestão mais rigorosa com a reavaliação de apoios e o encerramento de lares. Consegue dizer-nos o que é que já mudou, que resultados foram já alcançados?

Temos vindo a dar à Cruz Vermelha Portuguesa sustentabilidade, para que possa vir a comemorar, um dia lá longe, os 320 anos. E sustentabilidade é dar racionalidade às estruturas.

Iniciámos o nosso mandato com 152 estruturas, sensivelmente. Estamos com 147 e continuaremos nesta procura de racionalidade.

Por exemplo, nós temos no Algarve um número de estruturas, de delegações, que, na minha opinião, é excessivo. Por isso estamos, também aí a equacionar a possibilidade de alguma racionalização, como temos feito noutras regiões, porque cobrimos o território nacional, incluindo Madeira e Açores mas, em alguns casos, com sobreposição de meios e de competências, concorrentes inclusivamente.

Fecharam dois lares em Beja...

Os nossos equipamentos, lares, creches, infantários, têm uma marca, a Cruz Vermelha, e nos dois lares que fechámos em Beja, pela degradação dos edifícios, já não conseguíamos dar aos nossos idosos a dignidade que entregamos nos nossos equipamentos. Tivemos que os fechar e colocar os nossos utentes noutros equipamentos.

Temos vindo a terminar estruturas, como é o caso de um centro de cuidados continuados que construímos na Portela e que estava com um significativo atraso quando tomamos posse. Concluímos a obra e vamos abrir em breve, dando à população de Lisboa e àquela população da Portela um apoio nesta área.

Estamos a dar racionalidade, com uma central de compras, uma gestão de frotas, novos programas de captação. Em 160 anos temos que nos adaptar, temos aqui hoje um conjunto de desafios que exige racionalidade de meios, exige lógica.

Apelou, recentemente, à revisão dos protocolos com o Estado, porque os preços estavam desatualizados e a Cruz Vermelha, no fundo, perdia dinheiro. Já teve resposta do Governo?

Sim, ao longo dos anos temos vindo a sentir uma degradação dos preços que o Estado vem pagando a organizações como a nossa, não é apenas à Cruz Vermelha. O preço tem vindo a ficar desajustado, desde logo, o salário mínimo vem subindo e nem sempre há uma correspondência da afetação desses valores pelo que o Estado paga a algumas das valências que prestamos, substituindo-nos, aliás, ao Estado nesta função social.

Temos vindo a apelar a esse ajustamento. Este Governo, constatamos agradavelmente que agora, sensível a este nosso apelo, tem vindo a alterar alguns desses valores e é nesta perspetiva que continuaremos, junto dos Governos, a sensibilizar a máquina do Estado para este correto ajustamento. Porque, substituindo-nos, como nos substituímos ao Estado na sua função social, o Estado não pode aproveitar-se destas entidades, porque se fosse ele a prestar os serviços custar-lhe-ia muito mais.

No último ano, registaram um forte aumento dos pedidos de ajuda. O que é que explica estes dados? A inflação, os baixos salários? Estão a falhar as políticas públicas?

Este tempo civilizacional que vivemos tem vindo a colocar algumas franjas familiares em maior dificuldade. Em 2023, tivemos um aumento de 73% de pedidos de ajuda, comparativamente com 2022. Em 2024, tivemos mais 53% de pedidos de ajuda, comparativamente com 2023.

Sentimos que há aqui um crescente aumento que tem a ver com situações de sem abrigo, que aumentaram significativamente, na ordem dos 80%. Há outras tipologias, há um crescimento nos sem abrigo e na violência doméstica. Nos nossos centros de acolhimento e na teleassistência, no apoio que damos à violência doméstica, temos vindo a ter também esse acréscimo.

Há todo um conjunto de questões sociais que levam a este aumento dos pedidos de ajuda, uma questão de fragilidade de camadas da população, que têm vindo a cair em situações de dificuldade.

Em relação aos migrantes, também sentiram algum aumento, nomeadamente com as alterações na legislação?

Ainda não sentimos os efeitos da alteração da legislação, mas ainda bem que ela foi feita, porque a economia não viveria sem imigração, mas temos de ter um correto acolhimento da imigração. Tem de haver uma política de imigração correta e é isso que está, na nossa perspetiva, a ser finalmente discutido.

O aumento da imigração tem trazido, em algumas fases e momentos, o aumento desta população dos sem abrigo. Nos sem abrigo eu caracterizaria três situações: aqueles que não querem deixar de viver nessa situação, não querem viver com regras; aqueles que são recuperados, nós vamos buscá-los, acolhemos, damos-lhes formação, condições para que voltem a uma vida com maior dignidade; e estes imigrantes que vêm por vezes desprotegidos, vítimas de máfias dos próprios países de origem, e que são abandonados à sua sorte. Nestes casos, temos sentido algum aumento, mas também alguma flutuação, diria, porque quando integrados, quando acolhidos devidamente, acabam por abandonar essa situação.

Como é que estão as contas da Cruz Vermelha?

Estão equilibradas. Temos a preocupação da sua sustentabilidade. Temos um orçamento que ronda os 100 milhões de euros e estamos a procurar desenvolver novos programas, uma estratégia de visão para o futuro, porque ajudar não é apenas dar, é capacitar.

As contas estão sustentáveis, mas para enfrentar estes novos desafios, há que encontrar novos apoios, novos donativos.

Essa é exatamente a próxima pergunta. Como é que se financia a Cruz Vermelha? Não são só transferências do Estado, também conta com os tais apoios e donativos. Há outras verbas?

Sim. O nosso orçamento é fundamentalmente donativos. Os serviços que prestamos não se limitam ao Estado e à área da saúde. Temos os sem abrigo, a violência doméstica, a inovação na teleassistência para os que estão isolados: com os novos equipamentos informáticos, apoio à distância, detetar precocemente ataques cardíacos, índices de glicémia. E há hoje um conjunto de metodologias que estamos a desenvolver para ir ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da responsabilidade social e podermos reforçar a captação de donativos.

A instituição tem capacidade para dar resposta às solicitações que estão a chegar e que estão previstas para este ano.

Por isso, mesmo estamos a reformular todos os nossos programas, a nossa estratégia. Tal como temos feito ao longo destes 160 anos de vida, sempre nos adaptamos, sempre respondemos positivamente, sempre acolhemos e acudimos aos necessitados e é isso que continuamos a fazer.

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