19 fev, 2025 - 17:17 • Lusa
O número dois do antigo Aeródromo de Manobra (AM) n.º 1 de Ovar admitiu esta quarta-feira a existência de irregularidades na gestão da unidade, mas alegou que todas as situações foram autorizadas pelo então comandante, apesar de não estarem documentadas.
O tenente-coronel Francisco Cordeiro, atualmente na reserva, foi o único arguido que aceitou falar na primeira sessão do julgamento de sete militares da Força Aérea, que começou hoje no Tribunal de Aveiro.
Os arguidos, onde se inclui o então comandante da base, o coronel José Nogueira, estão acusados dos crimes de abuso de poder, peculato, peculato de uso, recebimento indevido de vantagem e denegação de justiça e prevaricação.
Perante o coletivo de juízes, o tenente-coronel Francisco Cordeiro começou por dizer que "todos os factos" eram verdadeiros, mas ao longo do depoimento foi negando algumas das situações que lhe são imputadas.
O militar, de 63 anos, explicou que apesar de não ser o segundo comandante, desempenhava funções de "número dois da unidade", substituindo o comandante na sua ausência, por ser o oficial mais antigo.
Confirmou ainda que, durante o período da pandemia de covid-19, a sua filha, o genro e o neto ficaram alojados gratuitamente na ala VIP da base, que estava vedada a generais, tendo ainda levado os seus dois cães para o canil da AM1.
"O senhor comandante exerceu funções como chefe do gabinete de crise de Ovar e convidou-me para ficar lá. A minha esposa era cuidadora do meu neto e eu apresentei essa situação ao senhor comandante. Não vimos qualquer inconveniente em utilizar a chamada ala VIP", declarou, afirmando que ele e a esposa ocuparam o alojamento a que tinha direito na unidade.
O arguido reconheceu, contudo, que não fez uma nota de serviço interno, como era necessário, devido a um lapso da sua parte.
Relativamente às refeições do agregado familiar, admitiu que nos primeiros dois meses ele e a sua família usufruíram totalmente da messe da unidade, não tendo pagado as despesas quando saiu, mas alegou que os números apresentados na acusação não são verdadeiros.
Confirmou ainda ter ordenado a compra para a messe de vinhos indiferenciados para eventos especiais, como receções, mas, quanto à compra de leitões, referiu que se limitou a pagar faturas a fornecedores que estavam por pagar do tempo do seu antecessor.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), os factos criminosos remontam ao período entre outubro de 2018 e abril de 2021, quando o principal arguido desempenhou as funções de comandante do AM1 em Ovar (atual Base Aérea n.º 8).
A acusação refere que o então comandante obteve benefícios ilegítimos para si e para a sua família e recebeu ou proporcionou vantagens indevidas a outros militares e trabalhadores civis da unidade, causando um prejuízo ao Estado de quase 200 mil euros.
De acordo com a investigação, o arguido autorizou e justificou indevidamente ajustamentos a inventários de balanço de géneros alimentares da messe do AM1, a que correspondeu um "desvio absoluto" de cerca de 120 mil euros.
A acusação refere ainda que o antigo comandante não comia na messe, tendo dado indicações para que as suas refeições fossem transportadas diariamente para sua casa, assim como as da mulher e do filho, que não tinham direito a alimentação por conta da Força Aérea, o que se traduziu numa vantagem patrimonial indevida de cerca de 17 mil euros.
Durante o período em causa, o ex-comandante terá ainda recebido na sua casa géneros alimentares e artigos diferenciados, normalmente não consumidos na messe, incluindo vinho da marca "Papa Figos" e bebidas espirituosas, fruta diferenciada, como papaia e manga, bolos, chocolates, sumos, água com gás, queijos, manteiga, molhos, temperos e vegetais, num valor de quase 14 mil euros.
O oficial também terá solicitado e recebido leitões nas festas de Natal de 2019 e 2020 e na festa de aniversário de um dos seus filhos, tendo ainda proporcionado trabalho suplementar a trabalhadores civis da messe em atividades e festas pessoais, cujo custo foi suportado pelo AM1.
O MP requereu que os arguidos sejam condenados a pagar ao Estado cerca de 238 mil euros, correspondente ao prejuízo causado, tendo ainda ordenado a extração de uma certidão para remeter ao Tribunal de Contas para eventual apuramento de responsabilidade financeira.