05 out, 2015 - 02:22 • Joana Bourgard e Dora Pires
Costuma dizer-se na Moita que, seja a que horas for, "há sempre alguém na Praça da República". A implantação da República comemora-se aqui a 4 de Outubro.
O partido republicano era forte aqui em 1910 e, mesmo sem o saberem, os revoltosos hastearam a bandeira da República, nos Paços do concelho da Moita, um dia antes do que ficou para a história, em Lisboa.
Nem a coincidência das datas ajudou. Na noite de domingo foram raros os momentos em que raras pessoas passaram pela Praça da República.
Uma noite "atípica", comenta-se a meia voz entre a meia-dúzia de funcionários da autarquia.
Só já perto da meia-noite cumpriram o ritual de afixar os resultados eleitorais do concelho na fachada do edifício.
Pela primeira vez sem vivalma para os consultar. No concelho ganhou o PS, mas ninguém quis saber.
Do outro lado da praça, o resumo da noite é de um freguês do Café Fragata: "Ganhou o PSD, ganhou o Porto, ganhou o Sporting. É sempre a mesma coisa!"
O Fragata ganhou no ano passado a medalha de mérito do concelho. O café costuma ser a bancada preferida para assistir às partidas eleitorais. Dali é hábito ir toda a gente à praça consultar os resultados e conviver mais um bocado.
Esta noite, os clientes do Café Fragata eram poucos e de poucas falas. A noite começou com duas televisões: uma num canal espanhol de touradas, outra no futebol.
Só às 20h00 se ligou o terceiro televisor, o modelo antigo, o que fica por cima da porta, assinalado pela placa de "saída". As sondagens à boca das urnas davam o assunto por arrumado. Praticamente.
Rui Gregório andou a colar cartazes logo a seguir ao 25 de Abril.
Treinou muito a esperança. "Ando tão triste com a campanha eleitoral que nem quero ver mais sondagens. É tudo um jogo, enganam-se sempre. Cumpri o meu dever de eleitor e aguardo serenamente os resultados. Não acredito em sondagens."
Já estava sozinho. "As pessoas estão cegas. A gente é um povo que não presta. Se prestássemos eles não ficavam lá. Já me tiraram o pêlo que tinham a tirar, agora só podem é tirar-me a reforma!"
Jacinto vira as costa ao ecrã da política e passa o resto da noite assim. Com os olhos no futebol e um ouvido nos resultados das eleições. Já António despacha o assunto num relance pelo televisor velhinho: "Se não ganha o Jerónimo, fico com o Sporting".
Emília puxa do sentido crítico: "O PCP andava só a dizer mal do PS, a dizer mal do PS... Agora nem PCP, nem PS!"
À medida que a noite avança e os resultados se vão fixando, não há ninguém para festejar coisa nenhuma.
Uma mulher com a filha, numa mesa longe do futebol, poderiam ser eleitas as vencedoras. "Sim, estou muito contente. Votei na Catarina [Martins, do Bloco de Esquerda]. Havia de haver mais mulheres que votassem na Catarina, a ver se saíamos deste inferno."
"Chamo-me Staline de Jesus. Staline da parte do pai, Jesus da parte da mãe." Usa gravata vermelha e veste fato que já deve ter sido branco.
"Para mim é um dia de festa, lutei muito pela república e pela liberdade. Estive preso, fui torturado. Hoje é um grande dia, é o único dia em que visto assim."
Parece um rei, na mesa posta com uma imperial e um pratinho de gambas. Acaba o petisco e despede-se: "Já tenho 83 anos vou assistir a tudo em casa. Depois sou capaz de voltar".
Staline abriu a noite no Café Fragata. Já não voltou.