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Almeida Santos, o rapaz da Serra da Estrela que via longe e ajudou a construir a democracia

19 jan, 2016 - 13:10 • Dina Soares

A política era a sua vida, mas a sua vida não se esgotava na política. Foi jurista e político, mas também um homem generoso, afável e que via longe. A ele se deve a arquitectura jurídica da democracia e um papel central no processo de descolonização, o que lhe valeu a hostilidade de um nicho considerável de portugueses.

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Foi nos anos 1950 que Almeida Santos conheceu o pintor Malangatana. Um amigo comum pediu ao jovem advogado que ajudasse o jovem pintor. Almeida Santos pagou as primeiras telas e as primeiras tintas. Recebeu de presente os primeiros quadros e, logo aí, percebeu que o artista não ia precisar de ajuda por muito mais tempo. Era assim, António Almeida Santos: antes de ser político, ministro, jurista, era um homem generoso, aberto e que via longe.

África, Moçambique, foi, durante mais de duas décadas, a sua casa. O rapaz da Serra da Estrela (nasceu na freguesia de Cabeça, no concelho de Seia) ainda andava na casa dos 20 quando rumou a Lourenço Marques. Na bagagem, já levava a consciência política e o imperativo do combate pela liberdade, mas foi na antiga colónia que se entregou à defesa dos perseguidos pelo regime e à militância pela democracia.

Por duas vezes quis ser candidato à Assembleia Nacional, por duas vezes foi barrado. Nunca esteve preso, um privilégio que atribuía ao facto de Salazar ser um admirador da sua prosa. “Foi o que me contou, certo dia, um agente da PIDE. Salazar não gostava do que eu escrevia, mas gostava da minha escrita, imagine-se”, contou, recentemente, à Renascença.

Depois do 25 de Abril, regressou a Lisboa para fazer o que melhor fazia: leis. A ele se deve a arquitectura jurídica da democracia. A ele se devem, também, os processos de descolonização. “Fui sempre o escriba dos acordos de descolonização”, recordou à Renascença. Só lhe escapou o processo angolano, no qual se limitou a “melhorar o texto que estava muito mal escrito”. Percebeu, logo em 75, que Angola tinha um longo calvário pela frente. Mais uma vez, não se enganou.

Almeida Santos fazia acreditar "que existe vida eterna na terra", diz António Costa
Almeida Santos fazia acreditar "que existe vida eterna na terra", diz António Costa

Ministro independente nos vários governos provisórios, só se filiou no PS aquando do primeiro Governo Constitucional, liderado por Mário Soares. Não sendo fundador, logo passou a ser visto como se fosse. Um peso pesado da máquina socialista, sempre presente de forma activa em todas as grandes decisões do partido.

Foi presidente do PS durante quase 20 anos. Passou depois a presidente honorário ou, como dizia, esta terça-feira, Carlos César, presidente para sempre. Uma condição conquistada devido a muitos anos de empenho na vida do partido, apoio activo das escolhas socialistas, lealdade sem hesitações.

Basta recordar a sua candidatura a chefe do Governo, nas eleições legislativas de 1985. Já de olhos postos em Belém, Mário Soares ainda era secretário-geral, mas já não queria ser candidato. Almeida Santos aceitou a missão, nas eleições mais difíceis que o PS disputou e que deram ao partido o seu pior resultado de sempre: 20,77%.

A política era a sua vida, mas a sua vida não se esgotava na política. Autor de mais de duas dezenas de obras políticas, jurídicas, mas também de ficção e poesia, cantava o fado de Coimbra, a cidade onde se formou no Direito. Era um virtuoso da guitarra. São talentos que ficaram para a posteridade em disco.

Alto, elegante, irrepreensível, sempre afável, tinha uma voz que dava gosto ouvir, mas era a sua oratória brilhante que impunha o silêncio sempre que falava no Parlamento. O empenho sem tréguas na luta pela liberdade e pela democracia valeram-lhe o respeito de correligionários e adversários. Por outro lado, o protagonismo na descolonização marcou para sempre uma certa impopularidade de que nunca se livrou.

António de Almeida Santos morreu na segunda-feira em sua casa, em Oeiras. Tinha 89 anos.

Comentários
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  • Indignado
    22 jan, 2016 Tomar 14:47
    Porque é que um ateu, um mação teve cerimónia nas instalações da Basílica da Estrela? Porque não foi na assembleia dos bananas, ou numa loja maçónica! Tanta hipocrisia, revela o que são na realidade..., o resto é conversa de treta!
  • Afonso
    21 jan, 2016 Lisboa 11:05
    O indignado está a bater num ponto importante,mas voltemos a fita atrás ao século 17: Antigamente os que assistiam ao lado dos príncipes chamavam-se laterones. E depois, corrompendo-se este vocábulo, como afirma Marco Varro, chamaram-se latrones. E que seria se assim como se corrompeu o vocábulo, se corrompessem também os que o mesmo vocábulo significa? O que só digo e sei, por teologia certa, é que em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos príncipes de Jerusalém: Principes tui socii rurum: os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E por que? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo.-----do sermão do bom ladrão de António Vieira
  • Eborense
    21 jan, 2016 Évora 00:12
    "Aplausos e música no funeral de Almeida Santos". É a festa socialista. Até nos funerais andam em festa. Ah! ganda PS. Cá para mim o PS devia ter apoiado o Tino de Rãs, porque ele já disse que se for presidente quer é ver toda a gente feliz e em festa.
  • Indignado
    20 jan, 2016 Tomar 22:07
    Bem verdade o comentário do Antónuo Santos, sobre um dos nossos coveiros!
  • José Silva
    20 jan, 2016 PAÇO DE ARCOS 20:24
    Podia ter-se deixado estar na serra a apascentar gado.
  • luisa matos
    20 jan, 2016 vila do conde 02:10
    Quando morremos somos todos bons. Pena não nos dizerem isso enquanto vivos.:)
  • Indignado
    19 jan, 2016 Tomar 22:27
    A hipocrisia nesta rádio que se diz católica, atingiu o limite máximo..., só falta fazerem o endeusamento de outro criminoso da descolonização, MSoares. Que respeito têm pelos milhões de vítimas da criminosa descolonização, da qual ainda hoje são visíveis os sinais de sofrimento dos povos que um dia viveram bem melhor sob a sombra da bandeira portuguesa? A democracia é uma óptima máscara para abafar os crimes contra a humanidade realizados por este e outros socialistas. Se os socialistas alemães se dissessem democratas, também não teriam sido julgados e condenados em Nuremberga. Qual a diferença entre os socialistas de ontem e os de hoje? Pequena, muito pequena..., e por isso, são abortistas..., que a RR defende, infiltrada que está pelo veneno gramciano!
  • antonuo santos
    19 jan, 2016 santarem 22:23
    De facto é merecedor de toda a consideração. Em Noçambique acalmava a população, mas os contentores desse cavalheiro já estavam no cais à espera do navio. Democracia é democracia....
  • jose
    19 jan, 2016 sintra 21:34
    Será que já não chega tantas noticias para quem não esta cá? Depois da morte todos são bestiais.
  • Joao Silva
    19 jan, 2016 Londres 20:30
    "Almeida Santos é um dos sete donos de Portugal!" Disse-me um dia um Senhor da família Espírito Santo Silva. Quero acreditar que estava certo. Este Homem era intocável. Nada se dizia sobre ele, zero. A certa altura tornou-se tão influente que era impossível desassociar a maçonaria com ele próprio. Arrisco-me a dizer que o Padrinho era ele. Era o Maçom. Viveu muito bem, 89 anos fantásticos. Se não me engano vai haver escolha de líder em breve, fiquem atentos...

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