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Entrevista a Pedro Correia

“Populismo diz-nos: conseguirão mais segurança se abdicarem da liberdade”

18 mar, 2017 - 12:00 • José Pedro Frazão

A Renascença falou com Pedro Correia, que, juntamente com Rodrigo Gonçalves, escreveu o livro "Política de A a Z", um dicionário com cerca de 300 entradas que ajudam a responder a questões como "existem, mesmo, barões na política portuguesa? E caciques?"

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O populismo oferece soluções “simplistas” para problemas muito complicados e promete segurança a troco da perda de liberdades, alerta Pedro Correia, co-autor do livro "Política de A a Z".

Em entrevista à Renascença, o antigo jornalista, que actualmente é consultor de comunicação, lamenta que os jornalistas abdiquem “cada vez mais” do poder e do dever de questionar e considera que o conceito de liberdade é desafiado “todos os dias”.

O que é o populismo?

O populismo, de uma forma sintética, é uma maneira muito simples, esquemática, rudimentar de procurar soluções para problemas complexos. É uma corrente política que está muito em voga. Vivemos num tempo que muita gente chama de pós-ideológico, que transcende as habituais dicotomias esquerda-direita e que, unindo as várias pontas soltas da sociedade, procura dar essas tais respostas muito simples, eu direi mesmo simplistas, a problemas que não podem ser resolvidos dessa forma.

Qual é origem do populismo?

O populismo, neste momento, tem um centro geográfico em termos de geopolítica que é na Casa Branca. É exactamente o paradigma contemporâneo do populismo e que está a servir de matriz também a correntes políticas na Europa, é o actual Presidente dos Estados Unidos [Donald Trump].

Mas na entrada do populismo no livro “Política de A a Z” faz-se uma referência à América Latina como o lugar por excelência. É o chamado caudilhismo das “repúblicas das bananas”, sobretudo da América do Sul, que teve os seus epifenómenos, do Júlio Vargas no Brasil, do Juan Perón na Argentina, hoje em dia também tem, de alguma forma, Hugo Chávez na Venezuela, são modelos cada vez mais abastardados. Mas a grande novidade dos tempos actuais é que esse fenómeno está a tornar-se endémico no continente europeu.

O político holandês Geert Wilders pode ser considerado um expoente rigoroso do populismo?

Sim, é uma pessoa que diz que resolve o essencial dos problemas da Holanda mandando fechar as fronteiras e expulsando as minorias islâmicas. Os imigrantes no seu conjunto são 11% da população, ora é evidente que nenhum problema essencial se vai resolver fechando as fronteiras, o que aliás está nos antípodas do pensamento da construção europeia. Os pais da União Europeia tinham o pensamento totalmente ao contrário e a Holanda sempre foi um país nuclear da construção europeia e isto renega todos esses princípios.

Outra palavra difícil de resumir é liberdade. A vossa definição consiste em dizer ou fazer tudo quanto não cause prejuízo a ninguém.

É verdade, isso é o princípio do liberalismo clássico que é: tudo quanto não é expressamente proibido é autorizado, é permitido. E essa parece-me, de facto, de todas as definições que se podem encontrar, incluindo algumas muito rebuscadas e até pouco perceptíveis, a que vai mais direito à essência.

Mas é também antiga esta definição?

É antiga, mas quanto a mim não passou de moda.

O conceito de liberdade está a ser desafiado?

Todos os dias, todos os dias, porque nós vivemos naquela dicotomia entre ter que optar entre liberdade e segurança. E é precisamente o que os populismos dizem: “meus caros amigos, vamos abdicar de parcelas da liberdade e nós garantimos-vos mais segurança, e só conseguirão mais segurança se abdicarem da liberdade”.

Então numa próxima edição do “Política de A a Z” a liberdade poderá ser definida de outra maneira?

Eu espero que não. Sinceramente, espero que não.

O que acha da expressão quarto poder?

O quarto poder… Eu sou jornalista de formação, exerci jornalismo durante 30 anos, neste momento sou o que se chama consultor de comunicação, mas continuo a considerar-me um jornalista no sentido de que os grandes princípios deontológicos continuam. Não há ex-jornalistas, no fundo, como não há ex-médicos ou não há ex-actores.

Eu acho que não faz sentido usar a expressão quarto poder. Há os poderes clássicos, são os poderes de representação, os poderes de governação, o poder judicial. Os jornalistas têm o único poder que devem exercer, que é o poder da pergunta.

Então é uma falsa definição, o quarto poder?

Não podemos fugir à definição quarto poder. Ela tornou-se corrente. Quanto a mim, eu sempre achei que os jornalistas têm esse grande poder, que é o dever deontológico de fazer perguntas. Infelizmente, é um poder e um dever do qual abdicam vezes de mais.

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