02 fev, 2025 - 18:55 • Tomás Anjinho Chagas , Filipa Ribeiro
Num ano inevitavelmente marcado pelas eleições autárquicas encavalitadas nas eleições presidenciais, a Iniciativa Liberal voltou a eleger Rui Rocha como líder e procura afastar-se cada vez mais do Governo da AD, que em tempos foi um possível parceiro.
Com praticamente oito anos de existência, o partido quer crescer, mas não na diagonal, e isso é um caminho espinhoso.
Que temas marcaram a IX Convenção da Iniciativa Liberal?
Com o executivo de Luís Montenegro já na fase pós estado de graça, os liberais aproveitam para denunciar os problemas nas urgências hospitalares, a falta de professores, o que consideram ser o excesso de impostos e os maus serviços públicos. Evitam o desgaste inevitável do Governo e apresentam-se como a verdadeira alternativa ao centrão, construído pelo PS e PSD.
Rui Rocha usou o seu primeiro discurso na convenção para acusar o Governo da AD de fazer "publicidade enganosa" e acusa o executivo de Luís Montenegro de ter feito "muito pouco" para resolver os problemas que marcaram os últimos Governos liderados por António Costa: "Não funciona, Luís. O país não está a mudar", provocou.
Se um mata, o outro esfola. O seu antecessor, João Cotrim de Figueiredo subiu ao palanque para acusar o Governo de "apatia total" e de "não conseguir fazer melhor que o PS". A tática é distanciar-se dos problemas e apresentar soluções para problemas que teimam em não ser resolvidos.
Para as eleições presidenciais, a Iniciativa Liberal avança com o apoio a uma mulher habituada a distribuir cartas em competições de bridge. Depois de se ter estreado em 2021 com o apoio a Tiago Mayan Gonçalves, o partido anunciou este domingo que vai avançar com Mariana Leitão desfazendo o segredo “mais bem guardado” dos últimos dias.
Em 2019 o partido conseguiu pouco mais de 3% do eleitorado, mas agora muda a imagem e avança com uma deputada e, até agora, mais jovem na corrida a Belém - Mariana Leitão sai da Convenção Nacional com o título de candidata presidencial e de vice-presidente do partido.
A festa dos liberais ignorou os tubarões que Mariana Leitão pode encontrar pela frente como Luís Marques Mendes, André Ventura e Gouveia e Melo que nas sondagens têm tido resultados bem mais favoráveis que o único nome liberal que tem aparecido- Rodrigo Saraiva. Sabendo da dificuldade, Mariana Leitão garantiu que “ não vai desistir” da corrida que começou este domingo e dá quase por garantida uma segunda volta, mas não se atravessa sobre os adversários. Com o partido a exigir bons resultados, a líder parlamentar e vice-presidente do partido promete apenas ir com “ambição e contra o medo”.
A Iniciativa Liberal que “crescer em todas as eleições” o que pressiona a candidata a Belém. Mariana Leitão é campeã de bridge, mas nas europeias o partido conseguiu 9,07% o que a pode obrigara ter que estudar bem os adversários.
Com a implantação autárquica na mira, os liberais estabelecem como boa prática apresentar os seus candidatos e ir sozinhos a votos. "Um autarca liberal vale mais do que um boy do PS ou do PSD", vai avisando Rui Rocha. Mas como toda a boa regra, tem exceções.
O líder dos liberais tem alimentado o tabu sobre o que vai fazer em relação a uma possível coligação pré-eleitoral para a Câmara de Lisboa - que poderia servir como resposta à frente de esquerda que se perfila para derrubar Carlos Moedas.
Cotrim de Figueiredo manifestou-se a favor dessa aliança antes da ida às urnas: "Teria muita pena que a IL pudesse contribuir para o regresso de uma maioria de esquerda na Câmara de Lisboa", argumenta o antigo líder, que considera que cidades como Lisboa e Porto merecem ser uma exceção porque os resultados nestas autarquias têm uma leitura nacional.
No entanto, uma eventual coligação com o PSD em Lisboa nunca vai ser unânime: "Não trocamos os valores liberais por Moedas", ironizaram alguns membros (militantes) que discursaram durante o fim-de-semana.
O contexto é favorável para fazer esta descolagem, mas a Iniciativa Liberal luta num terreno de enorme fragmentação política à direita. Além da concorrência da AD - que procura dar um abraço de urso ao Chega com as medidas para controlar a imigração, e um outro abraço de urso à Iniciativa Liberal ao apostar na isenção de IMT para os jovens ou o IRS Jovem - o partido de Rui Rocha luta por um lugar na piscina dos grandes.
O sonho ficou longe nas eleições legislativas de março de 2024, onde o partido estagnou no resultado que tinha tido em 2022 e repetiu a eleição de oito deputados, mas reergueu-se ao conseguir eleger dois eurodeputados nas últimas eleições europeias e igualar o Chega - que se colocava em pontas dos pés e dizia querer vencer.
Só que, como reza o ditado popular, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa". Ou seja, as eleições europeias são um ambiente especialmente favorável à Iniciativa Liberal, uma vez que conta com eleitorado mais qualificado e que não se abstém nestes atos eleitorais. Em legislativas, ou nas historicamente ainda mais participadas autárquicas, a cantiga pode ser outra.
Em entrevista à Renascença, Rui Rocha escusou-se a estabelecer metas eleitorais por não querer "limitar o crescimento" da Iniciativa Liberal. Mas a recusa pode soar a desculpa de mau pagador que teme comprometer-se com objetivos concretos.
Inciativa Liberal
O deputado da Iniciativa Liberal considera positiv(...)
Durante toda a convenção, multiplicaram-se as menções a Javier Milei, o presidente da Argentina, um ultraliberal que tem reduzido tanto quanto pode o papel do Estado no país sul-americano. O tema é sensível para a direção do partido, que procura manter uma distância saudável do Presidente argentino, que tem diabolizado o Estado enquanto agente económico.
No Pavilhão Paz e Amizade, em Loures, houve até sinais físicos do apoio de alguns militantes liberais à política de Javier Milei. Um dos membros trouxe uma motosserra de cartão, uma menção ao plano que o presidente argentino para cortar ao máximo o papel do Estado. Um outro militante passeou no sábado com a camisola albiceleste da seleção de futebol argentina, com o número 10, só que em vez de Messi ou Maradona, o ídolo é Milei.
Até Bernardo Blanco, deputado da Iniciativa Liberal, foi o segundo subscritor da moção "Afuera", que repete o slogan de Milei e que denuncia um Estado que "tem sufocado a sociedade". "Afuera" significa precisamente mandar fora o Estado de várias áreas, algumas como a TAP, a RTP ou a CP. A moção acabou a ser aprovada por "larguíssima maioria".
A relação de Rui Rocha com Javier Milei é de um braço de segurança, até porque sabe que o radicalismo de algumas propostas do presidente argentino pode trazer-lhe mais problemas do que vantagens, principalmente para o eleitorado menos fiel dos liberais.
Este domingo, questionado pelos jornalistas, o líder liberal deu uma no cravo e outra na ferradura ao reconhecer que "Milei trouxe esperança à Argentina" ao mesmo tempo que avisou que a realidade portuguesa é "muito diferente e não faz sentido transpor políticas".
O tema Milei queima e é um pau de dois bicos para a Iniciativa Liberal, que por um lado vê pela primeira vez um país grande a ser liderado por um governo ultraliberal - isso traz riscos se correr mal; e por outro pode repelir algum eleitorado menos fiel à Iniciativa Liberal, que pode ser afastado por ideias demasiado radicais.
Entrevista Renascença
Antigo líder e eurodeputado da IL condena comporta(...)
As malas (alegadamente) roubadas por um deputado do Chega, ou os despedimentos do Bloco de Esquerda a mães que ainda estavam a amamentar aliviam os holofotes que encadearam a Iniciativa Liberal depois de Tiago Mayan Gonçalves ter sido acusado e ter assumido que falsificou assinaturas enquanto presidente da Junta de Freguesia da Foz, no Porto. Mas não os apagaram.
A questão ainda não está fechada, e é um embaraço para a Iniciativa Liberal que se tem afirmado como partido fora do sistema e que adota uma postura acutilante em relação a casos de corrupção ou promiscuidade na política. Na melhor camisa cai a mancha e o partido procura sacudir o ativo tóxico.
Rodrigo Saraiva, deputado e vice-presidente da Assembleia da República assume que o caso "foi mau para a Iniciativa Liberal" e assume a estalada de luva branca: "demonstra que os partidos, todos eles, são falíveis, porque as organizações são feitas por pessoas e as pessoas são falíveis", admite em entrevista à Renascença.
Este sábado, em entrevista à Renascença, o antigo líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo defendeu a expulsão de Tiago Mayan Gonçalves e argumentou que quem comete "ilícitos" destes "não tem lugar" no partido. Foi Cotrim de Figueiredo que o catapultou para o primeiro plano político, ao ter escolhido Mayan para candidato presidencial em 2021.
O caso está a ser analisado e decidido pelo Conselho de Jurisdição (uma espécie de tribunal dos partidos políticos) e deve ter desenvolvimentos nas próximas semanas.