07 abr, 2025 - 12:20 • João Pedro Quesado
Jianwei Xun, o suposto filósofo que é autor da teoria da "hipnocracia", não existe. O autor de um livro que tem sido crescentemente citado, incluindo pela deputada do PSD Ana Gabriela Cabilhas, ou pelo filósofo e antigo ministro socialista Manuel Maria Carrilho em textos de opinião, é uma criação de um filósofo de carne e osso, Andrea Colamedici, que utilizou duas plataformas de inteligência artificial para escrever o livro "Hipnocracia: Trump, Musk e a nova arquitetura da realidade".
O episódio foi revelado pela revista italiana L'Espresso na edição de 4 de abril, depois de descoberto por uma editora da publicação, Sabina Minardi. A diretora terá tentado entrar em contacto com o filósofo de várias formas, já que tudo indicava que Jianwei Xun era real: tinha uma página na Wikipedia, com detalhes do seu passado e com várias citações de estudos seus. Pesquisar o seu nome no Google revela inclusive fotos do autor.
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Após a revelação, o site do "autor" foi alterado para admitir que é uma criação: "Jianwei Xun surgiu no final de 2024 como uma entidade filosófica nascida da interação colaborativa entre a inteligência humana e sistemas de inteligência artificial", afirma a nova biografia, contando que, depois de ser "inicialmente apresentado ao mundo como um filósofo nascido em Hong Kong e baseado em Berlim, a verdadeira natureza de Xun como uma construção intelectual híbrida foi revelada na primavera de 2025, transformando o que começou como uma experiência meta-narrativa num evento genuinamente filosófico".
O autor "artificial" começou a ser cada vez mais discutido em meios académicos, com citações em artigos científicos de instituições reputadas. Ana Gabriela Cabilhas, deputada pelo PSD desde 2024 e antiga presidente da Federação Académica do Porto, participou nessa onda de citações no texto de opinião que publicou na revista Sábado a 31 de março, com o título "O triunfo da hipnocracia".
"Janwei Xun alerta para uma transformação ainda mais profunda com a apresentação da definição de 'hipnocracia'. A consciência coletiva está a ser capturada e induzida pela capacidade de construir, sustentar e multiplicar realidades alternativas", escreveu Ana Gabriela Cabilhas, apontando depois acreditar "que a hipnocracia, ao criar imaginários coletivos, pode beneficiar ou boicotar uma governação e influenciar eleições, sempre com consequências destrutivas para as instituições democráticas".
Inteligência Artificial
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Já Manuel Maria Carrilho cita-o no texto que partilha no seu blog pessoal e na sua página de Facebook intitulado "Hipnocracia, o segredo de Trump".
"Encontrei recentemente esta mesma intuição, trabalhada numa ambiciosa visão do nosso tempo, no conceito de hipnocracia, proposta pelo filósofo Jianwei Xun, num pequeno mas acutilante livro", refere o antigo ministro socialista. O filósofo português refere que a ideia é "exatamente" aquilo "que temos visto acontecer com a nova presidência de Donald Trump".
Segundo o livro, Donald Trump e Elon Musk são os responsáveis por colocar o mundo "num estado de permanente hipnose, em que a consciência está abafada, mas nunca completamente calada".
A criação do livro com inteligência artificial, mas sem a admissão de que assim foi criado, pode ir contra as normas da União Europeia sobre inteligência artificial. O livro "Hipnocracia: Trump, Musk e a nova arquitetura da realidade" foi publicado em janeiro de 2025 em Itália, e tem traduções em francês e italiano, e foi ainda alvo de críticas literárias no Le Figaro e El País.
O livro pode, inclusive, ser comprado em livrarias portuguesas. Quer o site da Bertrand, quer o da WOOK, têm, à data deste artigo, as edições em espanhol em em francês do filósofo criado por IA.