14 jan, 2025 - 10:52 • Henrique Cunha
A organização do tradicional Presépio ao Vivo de Pirscos, na arquidiocese de Braga, destaca a “invasão espanhola" verificada na edição deste ano e anunica já o plano de na próxima edição refletir a realidade da violência doméstica e em particular as crianças que ficam órfãs por causa desse fenómeno.
Em entrevista à Renascença, o padre João Torres, pároco de Priscos e grande dinamizador da iniciativa, diz que os objetivos da edição deste ano, a 18.ª, foram cumpridos, uma vez que foi possível reforçar “a mensagem central", que foi "acolher, incluir e construir um futuro melhor para todos aqueles que vêm para o nosso país”.
João Torres insiste na ideia de que os imigrantes são fundamentais à economia e ao desenvolvimento do país. "Não vamos no bom caminho se assumirmos a posição de que estas pessoas aumentam o crime, que estas pessoas trazem uma desgraça para o país”, preconiza.
“Se o nosso país mandasse embora todos os imigrantes, nós ficaríamos desfalcados em muitos setores da economia do nosso país”, diz ainda, para rematar: "Onde há pessoas, há problemas, quer sejam imigrantes ou não."
Na edição de 2025, que será a 19.ª, o padre João Torres admite a possibilidade de se promover uma reflexão “sobre aquelas crianças que acabam por ficar órfãs devido à violência doméstica”.
"Essas crianças ficam onde? Ficam à guarda de quem? Como é que elas são apoiadas?" são perguntas que inquietam o sacerdote.
Que balanço faz da edição deste ano? Tem ideia do número de visitantes?
O balanço que eu faço é muito positivo, porque o Presépio ao Vivo de Priscos não só tem realismo, história e encanto. Quem nos visita fica sempre impressionado porque supera as expectativas. Fomos visitados por milhares de pessoas, embora não contabilizemos o número, porque ainda não temos máquinas para poder fazer isso. Mas em termos de grupos organizados, foram mais de 100, alguns deles com 20, 30, outros com 100, 200 pessoas.
Tivemos muita gente de vários pontos do país, grupos de jovens, escuteiros, paróquias organizadas, muitas agências de viagens a promover a visita ao nosso presépio. E também uma das coisas que nos impressionou muito foi que o Norte de Espanha, nomeadamente de Vigo, está muito atento ao nosso presépio. Aquelas pessoas invadiram várias vezes o nosso presépio. Temos um mercado muito grande relativamente ao Norte de Espanha, nomeadamente ali na zona de Vigo.
O presépio deste ano quis chamar a atenção para o acolhimento e inclusão de minorias. Considera que foi alcançado o objetivo?
Sim, acho que sim. Porque um dos momentos mais significativos na edição deste ano do presépio foi a presença da família Zinga, que são refugiados do Congo, que já estão cá em Braga há cerca de oito anos. E com os seus filhos, eles representaram a força e a resiliência de tantas famílias em busca de segurança e dignidade. Este gesto reforçou a mensagem central do presépio deste ano.
Ao olhar para a realidade do país e para as discussões à volta desta mesma realidade, não fica de alguma forma surpreendido com alguns posicionamentos, com perceções criadas que provocam crescentes narrativas?
Sim, eu acho que as pessoas deveriam conhecer a realidade destas famílias, perceberem como é que cá chegaram e como é que neste momento elas estão.
É certo que temos uma ou outra pessoa que ainda não se encontrou aqui no nosso país, mas acredito que a grande maioria das pessoas, neste momento, são uma mais-valia para Portugal. Estão integradas, falam português, não fluentemente, mas conseguem-se entender e conseguem-nos entender, se falarmos devagar. São pessoas que trabalham, são pessoas que não têm nada a ver com o mundo da criminalidade e eu acho que estas pessoas devem-se sentir no nosso país como tantos do nosso país se sentiram quando um dia deixaram Portugal e encontraram a sua sorte noutras paragens pelo mundo.
Nesta perspetiva, o que é que devemos esperar, sobretudo do discurso político, sobre as questões da migração e das minorias?
Acho que o importante é conhecerem a realidade, perceberem como é que estão os processos de legalização dos imigrantes que cá estão, onde é que eles estão a trabalhar, como é que eles estão a viver e perceberem se por aqui também não há gente no nosso país que se esteja a aproveitar de alguma situação de vulnerabilidade destas mesmas pessoas. Creio que não vamos no bom caminho se assumirmos a posição de que estas pessoas aumentam o crime, que estas pessoas trazem uma desgraça para o país porque, neste momento, se o nosso país mandasse embora todos os imigrantes, ficaríamos desfalcados em muitos setores da economia.
Casos como, por exemplo, o registado no último domingo, em Lisboa, alimentam estas narrativas de que falámos e favorecem também os discursos populistas e xenófobos, não é?
Sim, mas no nosso país existem conflitos entre pessoas, sejam elas estrangeiras ou não. Claro que os meios de comunicação social falaram dessa situação porque está muito a ferver o caldo ali, naquela zona, mas no nosso país, este fim de semana, certamente existiram muitos conflitos, até entre os locais, e não se fez nenhuma narrativa a dizer que no norte do país houve X conflitos, no centro X e no sul Z. Onde há pessoas, há problemas, quer sejam imigrantes ou não.
Sei que já começou a trabalhar no presépio do próximo ano. Já tem uma ideia por onde vai passar a reflexão que está sempre associada ao Presépio ao Vivo de Priscos?
Já estamos a refletir sobre isso, há muitas ideias aqui a ferver, por assim dizer. Uma das coisas que me impressiona, e iremos trabalhar sobre isso, é sobre aquelas crianças que acabam por ficar órfãos devido à violência doméstica. Imaginemos que o pai mata a mãe, o pai é detido e a mãe morre. E essas crianças ficam onde? Ficam à guarda de quem? Como é que elas são apoiadas? Esta ideia está aqui a cogitar em mim e não sei se para o ano, este ano já, em dezembro, se a edição não irá falar um pouco também sobre isso, sobre o drama desses órfãos com um dos pais vivos.
E isso dever-nos-ia ajudar também a arranjar caminhos para que essas crianças não perdessem tudo.