22 jan, 2025 - 19:06 • Ângela Roque
Médicos e enfermeiros devem informar as instituições de saúde onde trabalham, e as respetivas ordens profissionais, se são objetores de consciência e em que casos, para que se possa salvaguardar também os direitos dos utentes. A recomendação consta de um parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) sobre o exercício do direito à objeção de consciência (OC) no contexto da prestação de cuidados de saúde. O documento foi aprovado a 17 de janeiro e divulgado esta quarta-feira.
Em declarações à Renascença, Maria do Céu Patrão Neves, presidente do CNECV, explica que consideraram oportuno fazer esta reflexão”, tendo em conta que “a questão da objeção de consciência tem estado recorrentemente no debate no espaço público, na maior parte dos casos trazida pelas questões relativas à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG)", mas também pode surgir no âmbito da morte medicamente assistida.
Algumas posições que têm sido assumidas “ignoram a complexidade das questões que a objeção de consciência contempla e vão por soluções facilitistas, encarando a questão de uma maneira dicotómica, como se fosse possível prejudicar os direitos de uns em prol de outros”, refere a mesma responsável, esclarecendo de seguida as recomendaçõe que fazem.
“As propostas do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida encaram a complexidade da problemática e procuram apresentar vias em que se respeitam os direitos dos profissionais de saúde, os direitos dos utentes, garantindo este equilíbrio, de forma a que o exercício do direito à objeção de consciência por parte dos profissionais de saúde não possa implicar prejuízo para os direitos, as necessidades clínicas e as prerrogativas legais que os utentes têm”, refere Maria do Céu Patrão Neves.
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O CNECV sublinha que a objeção de consciência é um “direito fundamental” que deve ser protegido. “É uma forma de recusa de um profissional participar em uma determinada intervenção, motivada por valores pessoais, sendo um direito com tutela constitucional”. Este direito visa garantir que os profissionais não sejam obrigados a realizar ou participar em “atos que ofendam ou violem suas convicções religiosas, morais, filosóficas ou ideológicas”.
Mas, embora seja um direito individual, a OC “não pode ser usada para influenciar terceiros, condicionar o acesso a qualquer informação ou intervenção legalmente prevista ou discriminar pessoas com base em critérios como religião, orientação sexual, género ou outras razões consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e na Constituição da República Portuguesa”.
A presidente do CNECV considera uma proposta ”inovadora” a “comunicação prévia” do estatuto de objetor de consciência, que deve ser obrigatória.
“É absolutamente indispensável para uma boa organização dos serviços. Porque se, efetivamente, se quer respeitar o direito dos profissionais de saúde à objeção de consciência e queremos, em simultâneo, impedir que o exercício deste direito traga prejuízos aos utentes, então temos de garantir que os serviços estão de tal forma organizados que a objeção de um profissional de saúde não prejudica o utente. A comunicação prévia vai permitir às instituições criar imediatamente circuitos de encaminhamento, de forma ágil, para que o utente que solicita ou necessita de determinada intervenção a possa receber, mesmo respeitando o direito do objetor de consciência”.
Tornar obrigatória a comunicação prévia da OC visa evitar que um profissional de saúde só revele a sua posição de objetor quando surge uma situação concreta. “Recomendamos que seja obrigatório para que os serviços se possam organizar. Se o objetor de consciência só se declara como tal, num caso concreto que lhe surja no momento preciso, não há alternativas previstas. Isso não é profissional, não garante uma agilização dos serviços e fere os direitos dos utentes”, adverte o CNECV.
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Maria do Céu Patrão Neves lembra que um objetor de consciência sabe quais são os atos que violam ou ofendem a sua consciência moral, por isso, assumir desde logo que tem essa posição será sempre a atitude mais correta.
“A sua consciência moral não vai mudar, por isso deve declará-la antecipadamente e, ao fazê-lo, é uma atitude responsável por parte deste profissional de saúde, que permite aos serviços organizarem-se para, no integral e escrupuloso respeito pelo exercício do direito à objeção de consciência por parte do profissional de saúde, não falhar, de maneira nenhuma, às necessidades e direitos que assistem também aos utentes, aos cidadãos em geral”.
O parecer recomenda que a identificação dos objetores de consciência deve ser protegida. “Em relação à comunicação prévia, tivemos muito cuidado em estabelecer que o acesso a esta informação é restrito aos responsáveis pela organização destes procedimentos. Por isso, não se trata de uma comunicação pública, trata-se de uma comunicação à instituição, às ordens profissionais, sempre subordinada ao desígnio superior que é a organização dos serviços, para garantir o acesso das pessoas às intervenções que estão a ser objetadas por determinados profissionais de saúde”, explica.
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida recomenda, ainda, que haja mais formação sobre o que é a objeção de consciência, porque no terreno se têm verificado “recusas por parte de profissionais de saúde em realizar determinadas intervenções , por motivos que não configuram a objeção de consciência”. Mas, muitas situações não se enquadram no estatuto de objetor, que “nunca pode ser invocado em casos de emergência”, quando “não houver quem assegure os cuidados necessários para aquela pessoa em causa”.
É o caso do aborto? “A solicitação da IVG não é uma situação de emergência, mas uma complicação decorrente do aborto pode ser, e se um objetor de consciência não tiver possibilidade, dentro dos requisitos de uma situação de emergência, de ter outro colega que assegure o procedimento, ele próprio tê-lo-á de fazer. Isto está previsto na lei, como está previsto nos códigos deontológicos”, sublinha Maria do Céu Patrão Neves.
O parecer do CNECV defende uma “regulamentação homogénea da objeção de consciência”, porque “há vários diplomas e esta dispersão, esta fragmentação, não auxilia nem o profissional de saúde a ter uma visão cabal daquilo que são os direitos e as responsabilidades que lhe competem. E também não é amiga do utente, porque cria equívocos”. Recomenda, por isso, que se faça uma lei que “reúna de uma forma coerente as determinações que já existem sobre esta matéria”.
“Que legislem”, pede a presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. O parecer deste órgão consultivo independente, aprovado no passado dia 17 de janeiro, já seguiu para o Governo (Ministério da Saúde e Direção-Geral da Saúde), Parlamento (presidente da Assembleia da República, e presidente da Comissão Parlamentar da Saúde), e Presidente da República.