01 fev, 2025 - 15:39 • Vasco Bertrand Franco
Fátima acolheu mais um Encontro Nacional das Comissões Diocesanas e Castrense de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis. A comunicação social foi convidada a estar presente na manhã deste encontro, que decorreu na Casa Domus Carmeli, em Fátima.
A sessão teve início com uma intervenção de Ianara Angulo Ordorika, religiosa da congregação Escravas da Santíssima Eucaristia e de Mãe de Deus. Durante cerca de uma hora, a professora catedrática proferiu uma palestra abordando diversos aspetos dos abusos de poder e de consciência.
Para Ianara Angulo Ordorika, os abusos sexuais dentro da Igreja são apenas “a ponta do icebergue” e é necessário olhar para o restante panorama. A religiosa considera que “os abusos permitiram dar a conhecer uma realidade mais complexa e relevante”. Defende que a reflexão deve começar de dentro para que seja possível curar as feridas e alerta que os abusos não sexuais representam um problema ainda mais intrincado, pois são cometidos por pessoas manipuladoras e, muitas vezes, há escassez de provas para sustentar as queixas das vítimas. Além disso, este tipo de abuso não está contemplado no Direito Canónico, o que dificulta ainda mais eventuais denúncias.
De acordo com a catedrática, as notícias divulgadas pela comunicação social permitiram à Igreja tomar consciência de uma realidade até então desconhecida, levando a uma reflexão que, no entanto, ainda considera “superficial”. Angulo Ordorika afirma que os católicos têm receio de “olhar para dentro”, uma vez que “praticamente todos os casos que vieram a público dizem respeito a abusos sexuais cometidos contra leigos ou paroquianos”, ou seja, exterior à igreja. No entanto, salienta que existem outros casos que permanecem pouco debatidos, nomeadamente os ocorridos em seminários, ordens religiosas, ONG’s e outras instituições ligadas à Igreja.
A religiosa espanhola, presente neste IV encontro, acredita que os abusos são um problema estrutural na Igreja e defende a necessidade de uma mudança profunda: “é preciso mudar o motor do carro”, ou seja, estudar todos os casos e tipos de abuso para seguir em frente e prevenir novas ocorrências.
Durante a palestra, Ianara Angulo Ordorika partilhou ainda a sua visão sobre o conceito de “poder”, descrevendo-o como a influência que uma pessoa exerce sobre outra. Segundo a catedrática, os membros do clero estabelecem relações de confiança e influência com os leigos, o que pode resultar em abusos de poder. “Todos temos responsabilidade”, frisou, acrescentando que, muitas vezes, “os que praticam os crimes não são os mais autoritários, mas sim aqueles que agem de forma discreta, tornando-se ainda mais perigosos”.
A palestra terminou com um apelo à compreensão da complexidade do problema: “Só quando descobrimos a complexidade é que podemos movimentar-nos. Temos de descobrir tudo aquilo que esta debaixo do Icebergue”. As palavras foram recebidas com aplausos pelos presentes.
Na sequência do encontro, o jornalista João Luís Gomes abordou a relação entre a Igreja e os Órgãos de Comunicação Social (OCS). Com vários anos de experiência na área, destacou a dificuldade da Igreja em lidar com o escrutínio público, sublinhando que, muitas vezes, encara os OCS como adversários. Por outro lado, reconheceu que muitos jornalistas que cobrem temas religiosos não têm formação especializada, experiência cristã, referindo que “a maioria das redações não dispõe de profissionais dedicados a esta área”.
João Luís Gomes apelou ainda à Conferência Episcopal Portuguesa para retomar a realização de conferências de imprensa mensais, de modo a garantir uma comunicação mais transparente e estreitar a relação entre a Igreja e os meios de comunicação.
No período da tarde, os trabalhos decorreram à porta fechada para a comunicação social. Segundo o programa, foram discutidas questões relacionadas com compensações financeiras e realizou-se uma palestra centrada no trabalho das comissões diocesanas.