19 fev, 2025 - 11:32 • Henrique Cunha
O padre português Manuel Faria, sacerdote da arquidiocese de Braga que presta serviço na diocese moçambicana de Pemba, diz à Renascença que "há crianças a morrer subnutridas em Cabo Delgado".
"Morre-se à fome. Quando o corpo perde imunidade a malária ataca e aqui a malária tem crescido. E a chamada doença das mamãs também. Temos todos os dias visto casos de bebés órfãos, porque a mãe não aguentou. Há crianças também que não aguentam e que morrem pequeninas, subnutridas", relata, descrevendo um cenário de enorme fragilidade e de sofrimento na paróquia de Ocua, diocese de Pemba, em Cabo Delgado.
Manuel Faria é responsável pela equipa missionária que dirige a paróquia no quadro do acordo de cooperação que há cerca de nove anos colocou a paróquia sob administração da arquidiocese bracarense.
Nesta entrevista à Renascença, Manuel Faria dá conta de um contexto de muita fome agravado pela passagem do ciclone Chido a 15 de dezembro, aludindo a "uma destruição apocalíptica" e a uma "realidade angustiante" por causa da fome. “Custa comer sabendo que lá fora não estão a comer nada”, desabafa.
O sacerdote diz que há quem apanhe erva e a tente cozer. "Ou a folha de feijão que está a crescer, a folha da mandioca, da abóbora, alguma coisa que exista”.
“E até o capim. Chega-se ao ponto de tentar comer o capim porque não há mais nada para comer ou enganar a fome. Há mesmo quem ponha um pouco de sal num pouco de água para fazer uma espécie de soro para aguentar mais alguns dias a ver se vai chegar algum apoio. É extrema a fome. Neste momento é uma realidade angustiante”, reforça.
A angústia é tanto mais sentida quanto os pedidos de ajuda e de solidariedade não encontram resposta. De acordo com o padre Faria, “algum apoio chegou até Ochiur, mas a Ocua não chega nada e não se sabe quando possa chegar”.
"Estão até a ser cortados alguns apoios nomeadamente para combater a HIV”, acrescenta.
O sacerdote português diz falar por um povo que não tem voz, "não tem recursos", não tem emprego, nem energia elétrica.
“Aqui não existe qualquer emprego. Nós não temos energia elétrica. É muito difícil o acesso à educação. Para chegar à escola secundária de Ocua, daqui são 12 km a pé”, explica.
O padre Manuel Faria louva a Igreja que “é resiliente e não abandona o povo”, mas lembra que “para que possa estar perto, é preciso ter recursos e meios”.