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Presidente da CNIS admite acordo com o Governo no princípio de março

23 fev, 2025 - 09:30 • Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)

Numa altura em que se mantém a expectativa de que, até ao final do mês, o setor social solidário e o Governo podem chegar a um entendimento sobre o compromisso de cooperação, é convidado da Renascença e da Agência Ecclesia o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), padre Lino Maia​.

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A Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) exige que até 2028 o Estado atinja os 50 por cento na comparticipação das respostas sociais e adverte que "sem compromisso não há acordo".

Em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia, o presidente da CNIS, padre Lino Maia, admite que poderá haver “um acordo no princípio de março”, mas avisa que “não pode ceder” no “compromisso de o Estado comparticipar a 50% dos custos das várias respostas sociais”.

“Se houver morosidade num acordo, certamente que os senhores bispos farão ouvir a sua voz. Disso estou absolutamente convencido. E far-se-áo ouvir com assertividade”, garante Lino Maia.

O sacerdote revela que, por causa das dificuldades financeiras, “houve respostas sociais a encerrar e há muitas instituições que ameaçam encerrar".

“Estas instituições são absolutamente necessárias porque respondem a muitas necessidades e, sobretudo, atendem os mais carenciados”, adverte Lino Maia.

“Ninguém, absolutamente ninguém quer o encerramento de instituições. Mas, sem elas, seria, de facto, o caos”, acrescenta.

O padre Lino Maia insiste na ideia de que a CNIS não se pode comprometer com aumentos salariais, se não houver acordo com o Governo para o aumento das comparticipações, apesar de reconhecer que os “trabalhadores ganham mal”.

“Sem meios financeiros também não podemos, de facto, enfrentar a situação”, lamenta.

Noutro plano, o padre Lino Maia revela que, por causa dos atrasos no PRR, “já houve bastantes Instituições a desistir de obras que estavam previstas e eram necessárias porque a morosidade e a imprevisibilidade causam insustentabilidade e, portanto, levam as Instituições a desistir”.

“Já houve bastantes casos”, reforça.

O presidente da CNIS admite que existem dificuldades no recrutamento de mão-de-obra e diz que sem emigrantes muitas instituições não conseguiam subsistir, “sobretudo como ajudantes de ação direta", uma vez que "uma boa parte dos ajudantes de ação direta são imigrantes, brasileiros e de outras nacionalidades”.

"Noto, da parte do Governo, vontade de chegarmos a um acordo (…) poderá ser no princípio de março"

Desde o início do ano multiplicam-se as reuniões e as negociações com vista a um entendimento. Acredita num acordo ainda este mês?

Este mês creio que não será possível, não há condições, neste momento, para estabelecer um acordo. Mas eu noto, da parte do Governo, vontade de chegarmos a um acordo. Penso que não será até ao fim do mês, mas poderá ser no princípio de março.

O que está a dificultar o entendimento?

É sempre a questão financeira. Há um compromisso por parte do Estado de comparticipar em 50% dos custos das várias valências, das várias respostas sociais.

Essa é uma matéria em que as Instituições não estão dispostas a ceder?

E eu, pessoalmente, também não posso ceder. Claro que pode não ser num ano: aquilo que eu estabeleci é que fosse chegar a 50% em três anos.

Mas três anos a contar a partir de agora?

A partir de 1 de janeiro de 2025, que já passou. Creio que há possibilidades, vontade. Há possibilidades de conseguir isso mesmo.

"Se houver morosidade num acordo, certamente que os senhores bispos farão ouvir a sua voz"

A ministra Palma Ramalho tem assumido que o Governo quer assegurar a estabilidade financeira do setor social. Comprometeu-se em, até ao final do ano, apresentar uma lei de financiamento do setor social solidário. É uma solução para as dificuldades que o setor atravessa?

Pode ser, depende da lei. Eu penso que a lei, pelo menos se for uma lei consistente, permite uma coisa que é muito importante: a sustentabilidade também depende muito da previsibilidade. E não tem havido previsibilidade, andamos sempre inseguros. "O que é que será o futuro?...”.

Havia muita dependência de aumentos extraordinários?

Sim, e esses aumentos extraordinários eram sempre a conta-gotas e muitíssimo insistentes da nossa parte. Este Governo concedeu um aumento extraordinário em novembro, com efeitos a janeiro, para três respostas sociais, três ou quatro, contando também com o lar residencial. Mas não resolveu… Portanto, o aumento extraordinário não chegou de modo nenhum para estabelecermos em 40% a comparticipação dos custos das respostas sociais.

Nós estamos, neste momento, com cerca de 38% e a meta é chegarmos - excetuando respostas sociais de apoio a pessoas com deficiência e aquelas em que tem de ser o Estado a suportar totalmente - a 1 de janeiro de 2026 e que não haja nenhuma resposta a menos de 40%; a 1 de janeiro de 2027, nenhuma abaixo de 45%; e a 1 de janeiro de 2028, nenhuma abaixo de 50%.

"Houve respostas sociais a encerrar e há muitas instituições que ameaçam encerrar"

A 22 de janeiro, teve a oportunidade de receber uma delegação dos sindicatos que marcaram a greve nas instituições particulares e fez, de alguma forma, depender possíveis aumentos salariais do compromisso de cooperação. Mantém a ideia de que, sem compromisso, não se pode comprometer?

É um facto. Mais de 50% das instituições estão com resultados negativos, sistematicamente. Eu vou sempre dizendo que os trabalhadores não são um problema, são uma solução. Sem eles, até porque há dedicações extraordinárias por parte dos trabalhadores, sem eles não atuamos, não podemos fazer nada. Agora, sem meios financeiros também não podemos, de facto, enfrentar a situação.

Apesar de reconhecer que recebem mal...

Recebem mal e, sobretudo, na generalidade das respostas sociais, é um trabalho muito duro. Facilmente, os trabalhadores que estão neste setor conseguiam a mesma coisa - ou melhor - no turismo ou noutra atividade comercial e, portanto, nós temos de olhar para isso.

Falava, ainda há pouco, do facto de muitas instituições estarem a alertar para o risco de falência. Tem ideia de um número aproximado das instituições que possam fechar portas ou se houve algumas que o tenham feito recentemente?

Houve respostas sociais a encerrar, há muitas a ameaçar, mas eu não queria falar de números. E, sobretudo, tenho esta expectativa: a de que os nossos dirigentes sabem que, de facto, estas instituições são absolutamente necessárias porque respondem a muitas necessidades e, sobretudo, atendem os mais carenciados.

Mas esse risco de poder fechar portas, sobretudo em locais do país onde não há mais respostas, é algo que representa uma grande dificuldade também a população…

É, sem dúvida, eu penso que todos nós estamos conscientes disso mesmo. Por isso é que tem sido difícil chegarmos a alguma conclusão nestas negociações em que estamos, apesar de haver boa vontade da parte de todos: do Governo e do setor. Agora, ninguém, absolutamente ninguém quer o encerramento de instituições. Mas, sem elas, seria, de facto, o caos.

"A sustentabilidade também depende muito da previsibilidade"

Há uma questão a que queria voltar, que tem a ver com essa dificuldade, nalguns locais mais recônditos, de servir as populações. Aí, por norma, onde o Estado não chega, nomeadamente no que diz respeito a lares de idosos, a CNIS tem a perceção da importância de estar presente…

Sim, aliás, em muitas zonas, enquanto o Estado foi abandonando algumas regiões, foram as Instituições que lá se mantiveram. E até apareceram algumas quando tudo estava a ser abandonado. São elas que empregam muitas pessoas e respondem, de facto, a necessidades: ao isolamento, à pobreza, ao abandono... Seria, de facto, muito pior sem estas instituições, que fazem milagres, mesmo.

Pegando nessa palavra "milagre", que está bastante associada à tradição católica, a Igreja tem denunciado situações de fragilidade neste setor. Não falta maior assertividade na divulgação do problema, para que não sejam só os dirigentes a ter consciência dele, mas que toda a sociedade perceba a dimensão do que está em causa?

Tem havido alguma articulação com os senhores bispos, em concreto. Muito embora a CNIS não seja uma organização da Igreja Católica, há muitas instituições filiadas na CNIS, muitas instituições de ereção canónica. Os senhores bispos reconhecem a importância da CNIS e tem havido uma articulação. Vão insistindo, vão falando, mas moderadamente, na expectativa de que, de facto, os responsáveis da CNIS, e também da União das Misericórdias, particularmente destas duas organizações, atuem de facto. Pode parecer que há silêncio. Não creio que haja silêncio, há articulação para intervenções.

Não haverá necessidade de endurecer um pouco mais o discurso para serem ouvidos?

Se, e aqui ponho “se”, se houver morosidade num acordo, certamente que os senhores bispos farão ouvir a sua voz. Disso estou absolutamente convencido. E far-se-áo ouvir com assertividade".

"Enquanto o Estado foi abandonando algumas regiões, foram as instituições que lá se mantiveram"

Outro tema: o famoso PRR. A Comissão de Acompanhamento admite dificuldades porque as instituições esperam meses por reembolsos devidos. Há atrasos na devolução do IVA relativo a obras. É compreensível este cenário, para mais num setor, como estamos a ver, que está tão frágil do ponto de vista financeiro?

Eu não diria meses, chega a haver anos de atraso. Claro, é evidente que isto cria muitos problemas às Instituições, porque têm de pagar aos fornecedores, aos construtores, etc., têm de recorrer muitas vezes à banca. E a banca não é propriamente uma instituição de caridade. Muitas vezes, estes atrasos significam que se chega à conclusão de que aquilo que estava previsto no financiamento não é suficiente.

Portanto, isto leva estudos e estudos, compassos de espera… Devo aqui sublinhar que, da parte do atual ministro que tem este setor, Castro Almeida, há sensibilidade e há vontade. Aliás, estive já reunido com ele, mais do que uma vez, até para adiantar algo que será importante: como nas obras deste setor o IVA é restituído em 100%, há a previsibilidade de, em breve, o IVA ser calculado logo à partida e ser antecipado para as instituições, que acabariam por não ter, diria, o compasso de espera do IVA. Isso é, de facto, bom. Agora, o que falta é começar…

Este cenário pode levar, em última análise, as instituições a não investir?

Aliás, já houve bastantes Instituições a desistir de obras que estavam previstas e eram necessárias, porque a morosidade e a imprevisibilidade causam insustentabilidade e, portanto, levam as Instituições a desistir. Já houve bastantes casos.

"O aumento extraordinário não chegou de modo nenhum para estabelecermos em 40% a comparticipação dos custos das respostas sociais"

Perante este cenário de enorme dificuldade, acredito que seja difícil o recrutamento de responsáveis pelas Instituições e também ao nível do quadro de pessoal…

Aos dois níveis. Quanto a dirigentes, é difícil, até porque há encargos e não querem suportar esses encargos. A nível de trabalhadores, também em bastantes zonas. Eu diria que já é um bocado transversal a todo o país.

Primeiro, há falta de mão-de-obra. Nós precisamos de mais trabalhadores em Portugal. Aqui, põe-se a questão da imigração e temos já muitos imigrantes a trabalhar nestas instituições. Mas há, de facto, dificuldade em recrutar trabalhadores e sem eles nós não fazemos nada. Cerca de 70% dos custos nestas instituições é com trabalhadores.

Muitas destas Instituições poderiam subsistir sem o contributo dos trabalhadores imigrantes?

Não podiam. Sobretudo, os ajudantes de ação direta, uma boa parte dos ajudantes de ação direta são imigrantes. Brasileiros e de outras nacionalidades. Um pouco por todo o país, começou mais pelo Norte, agora é por todo o país: são mesmo necessários, são bem-vindos, por todas as razões. Os imigrantes são bem-vindos.

E não são convenientes alguns discursos à volta deste tema?

De modo nenhum, até porque nós, portugueses, não podemos estar contra a imigração. Nós sabemos quanto dependemos da migração para o exterior. Portanto, nós não devemos falar contra a imigração. Pelo contrário, devemos ser acolhedores. Agora, é preciso também criar condições para os trabalhadores, é muito importante. Não podem ser recebidos de qualquer maneira ou não ser recebidos e ser explorados. É preciso cuidado, mas eles são absolutamente necessários.

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