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Irmã Myri, religiosa portuguesa na Síria: "Situação melhorou, mas futuro é incerto"

11 mar, 2025 - 08:13 • Ângela Roque , Olímpia Mairos

As perseguições e execuções sumárias dos últimos dias causaram pelo menos 1. 300 mortos e milhares de pessoas deixaram o país, sobretudo em direção ao Líbano. Na Síria "ninguém confia no atual governo", conta à Renascença a monja portuguesa.

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Irmã Myri, religiosa portuguesa na Síria: "Situação melhorou, mas futuro é incerto"
"Situação melhorou, mas futuro é incerto", diz irmã Myri. Foto: Fundação: ACN/Lisboa

A situação na Síria acalmou, mas é ainda de muita incerteza. Em entrevista à Renascença, a irmã Maria Lúcia Ferreira - que como monja adotou o nome religioso Myri - diz confiar que, para já, a presença da ONU permita pôr fim à perseguição religiosa dos alauitas por parte do atual regime sírio. A religiosa portuguesa vive naquele país há 16 anos, na congregação das Monjas da Unidade de Antioquia.

A situação atual na Síria hoje é melhor. Digo hoje, porque a ONU entrou em cena e o Governo de Damasco disse que as operações militares sangrentas, que estavam a decorrer no litoral oeste da Síria, acabaram. É uma grande, grande notícia! Agora as pessoas podem respirar, porque nos últimos dias estava a acontecer um genocídio, por ódio racial aos halauitas”, diz a religiosa que vive num mosteiro a 90 quilómetros de Damasco.

As perseguições e execuções sumárias dos últimos dias causaram pelo menos 1.300 mortos e milhares de alauitas e libaneses deixaram o país, sobretudo em direção ao Líbano.

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A irmã Myri espera que a presença da ONU ajude a restaurar a segurança também para os cristãos. “A questão dos cristãos não é assim tão feliz”, diz a religiosa, esperando que a entrada da ONU no país “não seja só para os halauitas, mas também para toda a população”.

“Agora, a situação irá ficar um bocadinho melhor, porque os cristãos às vezes estão a sofrer, por lhes ocuparem as casas, dispararem sobre as igrejas, etc”, assinala.

No mosteiro onde vive, e que foi restaurado já depois da guerra civil, têm conseguido manter-se em segurança, o que atribui acima de tudo à proteção divina de Deus.

“Como temos conseguido sobreviver? Em primeiro lugar, temos o Senhor que nos ajuda! Não estou a exagerar, é exatamente isso! Continuamos a viver no mesmo mosteiro, na mesma zona. Por enquanto não, não nos sentimos em perigo, graças a Deus. A providência tem estado sempre presente até agora e só temos a dar graças”, conta.

As religiosas também tomaram “as medidas de segurança necessárias, por causa de antigos contactos na altura da guerra, em que a nossa madre esteve num grupo que se chamava Reconciliação e conheceu muita gente entre os rebeldes, de todas as tribos, e quando aconteceu esta revolução, estávamos em boa posição para fazer laços, criar relações e assegurar, mais ou menos, a nossa segurança”, explica.

Durante a guerra civil a comunidade de clausura abriu-se ao exterior, e ajudaram muio a população. "Ajuda humanitária fizemos bastante, bastante pelo país, com apoio de organizações internacionais com quem trabalhamos. Agora muito pouco, porque os fundos são poucos também", conta, lamentando que a Síria esteja esquecida.

"Pouco se fala da Síria no exterior, como no passado se falava. Por isso agora os fundos são poucos, mas continuamos a fazer o que podemos, neste momento sobretudo na questão da reconciliação, da segurança dos cristãos, nas vilas cristãs, e não só, dialogar com os vários grupos".

Mas, apesar da acalmia deste início de semana, vive-se um clima de grande insegurança, e sobretudo de muita incerteza quanto ao que aí virá em termos políticos.

Para a irmã Myri “o futuro da Síria é muito incerto. Está nas mãos de Deus, a sério! Não se sabe se se vai partir (o país) em vários territórios, como já aconteceu com vários países, como a Jugoslávia, se vai uma parte pertencer a Israel, outra parte pertencer à Turquia. Não se sabe absolutamente nada”.

“Deixem de apoiar este regime aqui na Síria, por favor”

De uma coisa a religiosa tem a certeza – ninguém no país confia no atual Governo sírio, e deixa um apelo para que a comunidade internacional não lhe dê apoio.

“Tudo está numa grande desordem e numa grande falta de segurança, e este regime, este novo governo que está aqui, ninguém o quer. Ele foi colocado pelo exterior, ninguém o quer. Nas Nações Unidas, na Europa, deixem de apoiar este regime aqui na Síria, por favor!”, pede, vincando que “não é um regime escolhido pelo povo e não está a favorecer a unidade do povo sírio. Pelo contrário, há medo, ninguém está descansado. Isso seria um grande serviço que fariam à Síria”.

A irmã Myri, da Congregação das Monjas da Unidade de Antioquia, diz ainda que a incerteza política é agravada pela pobreza em que o país se encontra.

“A pobreza não ajuda nada, porque houve muitos anos de guerra e, sobretudo, de sanções económicas por parte das nações ocidentais que empobreceram demasiado a população. Não há empregos, e agora, com esta revolução, ainda é pior, tudo está muito mais parado”, constata.

Em plena Quaresma, a religiosa portuguesa deixa um apelo aos cristãos.“Gostaria de deixar esta mensagem de Jesus no Evangelho, ‘estai vigilantes na oração’. Estai sempre vigilantes com o espírito em vigília, alerta, porque nunca se sabe nem o dia nem a hora. Não só da nossa morte, mas qualquer acontecimento”, aconselha.

A religiosa diz que no Médio Oriente, “pode ser que nunca se saiba o que é que nos pode acontecer na nossa vida”, mas sublinha que “mesmo se em Portugal toda a gente se sente em segurança, nunca se sabe quando é que pode acontecer qualquer coisa que venha a atrapalhar toda a nossa vida, especialmente porque hoje em dia, não se pode dizer que a Europa esteja a caminhar num caminho de bem”.

Segundo a irmã Myri, uma forma concreta de ajuda à Síria é a oração. “Podem-nos ajudar também rezando por nós, para que as forças do mal não tenham força aqui nesta Terra Santa, porque a Síria ainda é parte da Terra Santa, e esta Terra Santa sofre as dores de dar à luz para toda a humanidade”, explica.

“A região está sempre em guerra, nunca está descansada. Porquê? Porque é a região do combate espiritual para toda a humanidade. Por isso, os cristãos daqui esperam a oração e o apoio dos irmãos do Ocidente, sobretudo neste momento”, conclui a religiosa nesta entrevista à Renascença, possível através da intermediação da Fundação AIS.

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