18 mar, 2025 - 00:28 • Henrique Cunha
A Cáritas Portuguesa diz que “em Portugal, a prevalência de situações extremas de exclusão é estruturalmente elevada”. Em 2024, de acordo com o INE, cerca de 600 mil pessoas viviam em privação material e social severa, 266 mil não tinham capacidade financeira para terem uma alimentação adequada e mais de 1,6 milhões não conseguia manter a casa devidamente aquecida.
Na segunda edição do relatório anual da Cáritas sobre Pobreza e Exclusão Social, a que a Renascença teve acesso, é também sublinhada a grande dificuldade do país ao nível da habitação, que o organismo da Igreja diz ser “um problema premente”, dado que “as estatísticas apontam para uma quase duplicação das pessoas em situação de sem-abrigo entre 2019 e 2023”.
O estudo que vai ser apresentado esta terça-feira alude à persistência em Portugal de “situações de privação habitacional muito severa”, sublinhando “o aumento dramático do número de pessoas em situação de sem-abrigo”, mais de 13 mil em 2023, o que revela mais 2 mil e 300 casos do que em 2022; e o dobro dos registados em 2018, cerca de 6 mil. O Estudo anual da Cáritas, sem avançar com dados concretos, afirma que "a tendência de aumento terá persistido ao longo do último ano”.
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O documento faz alusão ao “aumento acentuado das rendas e dos preços da habitação”, o que “tem revelado cada vez mais desafiante o acesso a uma habitação adequada”. “Na rede Cáritas, nos últimos anos, têm sido inúmeros os pedidos de ajuda para pagamento de rendas. Este é um sinal claro de dificuldade de muitas famílias em assegurar essas prestações”, sublinha o relatório.
Na comparação com os dados revelados em 2023, a Cáritas regista uma ligeira diminuição no número de pessoas numa situação de privação material severa. De acordo com o estudo do observatório da Cáritas Portuguesa, em 2024 havia 458 mil pessoas em privação material e social severa; um número inferior ao registado em 2023, que era de 513 mil.
Em contrapartida, o número de pessoas sem capacidade para ter uma alimentação adequada aumentou no último ano, passando de 241 mil, em 2023, para 266 mil, em 2024. Ainda assim, a Cáritas Portuguesa reforça que “em Portugal, a prevalência de situações extremas de exclusão é estruturalmente elevada”.
O relatório sublinha que “a desigualdade da distribuição do rendimento em Portugal é superior à média do euro e muito superior à dos países com menor desigualdade no quadro da União Europeia”.
O trabalho coordenado por Nuno Alves revela que, em 2024, “11% da população portuguesa vivia numa situação de privação material e social, dos quais 4,3% em privação severa”. E por exemplo, no último ano “15,7% da população reportou não conseguir manter a casa devidamente aquecida”; ainda assim “uma queda significativa face a 2023 (20,8%)”.
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Em 2023, "as maiores taxas de privação material e social severa foram registadas nos Açores (12%) e na Madeira (6,3%) e as mais baixas no Alentejo, no Algarve e no Centro”. O estudo volta, por outro lado, a alertar para o aumento do número de trabalhadores pobres, observando que “mesmo com uma elevada participação no mercado de trabalho, uma família pode viver numa situação de pobreza em Portugal”. “A taxa de risco de pobreza dos trabalhadores é atualmente de cerca de 9%, o que contrasta com um objetivo de 5% na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza”, indica o relatório.
De acordo com a Cáritas, “nos últimos anos os progressos no combate à pobreza e exclusão foram mais modestos que os observados no período anterior à pandemia”, e sublinha que “no período mais recente, num quadro de quase pleno emprego, os progressos na luta contra a pobreza têm-se revelado mais ténues”, afirmando que “em várias dimensões, tem havido mesmo retrocesso, nomeadamente no aumento do número de pessoas sem capacidade para ter uma alimentação adequada, ou no número de pessoas em situação de sem-abrigo”.
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Por tudo isto, o trabalho do organismo da Igreja Católica conclui que “é urgente um novo impulso na luta contra a pobreza”, até porque, apesar de “os objetivos inscritos na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 serem ambiciosos e a estratégia desejável”, os objetivos “quantitativos para 2030 não serão alcançáveis com as atuais tendências”.
O relatório apresenta também um foco especial à situação dos imigrantes afirmando que "o crescimento acentuado dos imigrantes nos últimos anos tem-se refletido num aumento dos pedidos de ajuda à rede Cáritas". O documento adianta que no final de 2023 estariam em Portugal mais de um milhão e 44 mil imigrantes com estatuto legal de residente e mais de 500 mil trabalhadores estrangeiros por conta de outrem inscritos na Segurança Social, e lembra que “os trabalhadores estrangeiros têm sido fundamentais para sustentar o aumento do emprego em Portugal nos últimos anos”. O relatório sublinha que "a literatura disponível sugere que os imigrantes têm, em média, uma maior vulnerabilidade à pobreza e exclusão social", e admite que "à medida que as estatísticas oficiais começarem a abarcar de forma mais fidedigna a realidade, será de esperar um maior contributo dos estrangeiros para as taxas de risco de pobreza e de privação material e social em Portugal".
O documento anota a diferença do risco de pobreza das crianças dos pais com cidadania portuguesa que em 2022 era de 19,1, "um valor muito inferior aos 37,2% registados pelas crianças com pais de nacionalidade estrangeira" e alerta por isso para "a importância de acolher e assegurar uma integração efectiva dos estrangeiros na nossa sociedade".
O organismo da Igreja Católica dá o exemplo das "várias Cáritas Diocesanas que já têm programas específicos de acolhimento de imigrantes, que contribuem para a desejável integração social de todos".