13 abr, 2025 - 09:30 • (Renascença) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)
O arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, diz que se nota hoje em Braga “a interculturalidade e a inter-religiosidade" que decorrem da crescente imigração no nosso país, encarando isso como um “desafio”.
“São de várias nacionalidades, inclusive daquelas mais inesperadas, como a China. Porque Braga é já uma cidade onde se nota esta interculturalidade e a inter-religiosidade que são desafios acrescidos para a Igreja Católica naquele território”, diz D. José, em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia.
De acordo com o prelado, na arquidiocese já residem cerca de 30 mil brasileiros, a par de muitos outros imigrantes das mais diversas proveniências. D. José Cordeiro revela que na Vigília Pascal vão ser batizados 10 catecúmenos, de onde se destacam vários brasileiros, mas também fiéis oriundos da China.
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Nesta entrevista em plena Semana Santa, o arcebispo de Braga destaca também o impacto cultural e económico das solenidades, sublinhando que a Semana Santa assume “a centralidade do programa cultural e espiritual de Braga”.
Num tempo marcado por vários conflitos no mundo, D. José admite dificuldade em passar, nesta Páscoa uma mensagem de esperança. Ainda assim, o arcebispo de Braga defende a necessidade da “procura constante de ultrapassar os obstáculos e tornar a realidade um lugar de esperança”.
Noutro plano, o arcebispo de Braga diz que no norte de Moçambique “ainda se sente a realidade dura” da fome.
A Arquidiocese de Braga é responsável pela paróquia de Ocua, em Pemba, e D. José reafirma a existência, aí, de uma realidade de carência, sobretudo, nas zonas mais distantes da missão, persistindo situações de "enorme dificuldade" e de fome.
"Celebrar a Semana Santa em Braga tem um sabor muito especial"
A Semana Santa de Braga ainda mantém a designação da mais tradicional e mais popular no país. Isto tem algum efeito no plano da prática religiosa?
Sim, experienciar, celebrar a Semana Santa em Braga tem um sabor muito especial. Há três anos fiz-lo pela primeira vez e senti essa atmosfera grandiosa, que traz essa tradição no seu peso, no verdadeiro sentido. Quando se fala em tradição não é a mesma coisa que tradições, é o grande depósito da fé que está concentrado nesta semana e de modo especial no Tríduo Pascal. Se o é para toda a Igreja, em Braga ainda é com maior intensidade, solenidade, profundidade e interioridade naquilo que procuramos, neste esforço de renovação na continuidade, respeitando também esta hermenêutica da continuidade: fazer sobressair o coração do coração do ano litúrgico, que é o mistério da Páscoa.
Este ano, Braga é também a capital portuguesa da cultura. Falava de renovação... Pergunto se houve preocupação em renovar também as propostas culturais e espirituais em 2025?
Sim, estão em renovação, porque está tudo interligado. A fé torna-se cultura com impacto social e é manifestação daquilo que não se pode dizer, do indizível, do invisível, mas, nessa renovação, também em ordem à purificação e à conversão. Há ritos que são extraordinários e por si falam, há outros que precisam dessa tal purificação, como, por exemplo, a procissão teofórica na Sexta-feira Santa, com alguma renovação este ano, para se respeitar o espírito da própria liturgia e não se entrar em qualquer tipo de encenação ou de teatralismo. Mas que seja no alinhamento do próprio sentido mais profundo do Tríduo Pascal.
"A esperança tem de espantar, nós temos de nos surpreender"
Falou do impacto cultural, mas há também um impacto económico para toda a região. Isso reflete-se na forma como as diferentes entidades preparam esta celebração?
Sem dúvida e há uma boa articulação na Comissão da Semana Santa, que envolve a autarquia, os empresários, a Igreja, as instituições, as confrarias, as irmandades, as instituições culturais... Reflete-se na presença de tantos turistas e peregrinos. Há esse misto, no qual se destacam de uma maneira especial os peregrinos, aquelas pessoas que vão para fazer essa experiência da interioridade pascal, sobretudo na celebração de Laudes de sexta e sábado, e depois, durante toda a manhã, na celebração da Reconciliação. No ano passado, éramos 12 padres a confessar e estivemos toda a manhã neste serviço de escuta e de acompanhamento. Mas reflete-se também nos hotéis e na vida social da cidade.
As autoridades dizem que, por exemplo, a procissão mais participada é a do Enterro do Senhor, de Sexta-feira Santa, que pode envolver cerca de 100 mil pessoas. A procissão da Burrinha, na quarta-feira à noite, também está num crescendo e é uma verdadeira catequese bíblica, pastoral, espiritual, porque é sempre à luz do itinerário pastoral da arquidiocese.
Há algum estudo sobre o impacto econômico da Semana Santa?
Eu penso que sim, que a associação empresarial ou comercial já tem esse estudo e ele é favorável para que a Semana Santa ainda seja assumida com maior cuidado e sem medo como a centralidade do programa cultural e espiritual da cidade de Braga.
"A procissão da Burrinha, na quarta-feira à noite (…) é uma verdadeira catequese bíblica, pastoral, espiritual"
A Semana Santa é o ciclo litúrgico central do calendário católico. Já falou de algumas manifestações específicas que Braga tem nas suas celebrações. Como é que a arquidiocese assume o desafio de aproveitar este espaço de evangelização?
É, de facto, a maior escola da formação litúrgica ao longo do ano, antes de mais com o presbitério, com o Seminário Maior Conciliar, com os vários ministérios da catequese, da liturgia, da caridade, evolvendo o mais possível e fazendo sobressair esses ritos no caminho de Páscoa que juntos estamos a percorrer, na arquidiocese, até 2033, em ordem à celebração dos dois mil anos da Páscoa.
O rito que para mim é mais significativo é o da Vigília Pascal, o chamado "accendite". Depois da renovação das promessas batismais, por três vezes se apaga o Círio Pascal e por três vezes se reacende, com o canto do arcebispo, num crescendo, com essa expressão latina, "accendite". Acender, acende-te, para dizer que a fé, ao longo do percurso da vida, tem altos e baixos e, às vezes, pode mesmo apagar-se ou quase apagar-se, e é preciso reacender. É preciso que a comunidade tenha os tais adultos na fé e os acompanhantes para que se reacenda a fé na esperança e na caridade.
Vemos que em muitos países europeus há um aumento do número de adultos que procuram o batismo, algo que é ainda residual, digamos, em Braga, apesar de haver um aumento ,este ano, no número de batizados na Vigília Pascal: serão 10 catecúmenos, na Catedral. É um sinal de que a arquidiocese continua a ser, na sua essência, um território de tradição católica? Ainda há elevados níveis de prática religiosa?
Ainda há, sobretudo no que respeita à piedade popular, mas há um esforço que a arquidiocese está a fazer também no renovar, no primeiro anúncio, continuando com tudo aquilo que já existe e que seja do amadurecimento e do acompanhamento na fé. Como diz, na Vigília Pascal teremos 10 catecúmenos, com a particularidade de dois deles celebrarem o matrimónio na própria celebração. Em muitas outras paróquias demos essa autorização de acolherem na Igreja, na iniciação, dezenas de pessoas.
Qual é a proveniência destes catecúmenos?
São de várias nacionalidades, inclusive daquelas mais inesperadas, como a China.
Mais um efeito da imigração?
Exatamente, porque Braga é já uma cidade onde se nota esta interculturalidade e a inter-religiosidade que são desafios acrescidos à Igreja Católica naquele território.
Está-se a renovar a Igreja também desta forma?
Também está. De um modo especial na cidade de Braga, isso é muito sentido, particularmente até com a presença dos brasileiros. As igrejas voltaram a encher e até nas propostas dos Cursos Alpha.
"A celebração da Páscoa é um momento privilegiado de sermos testemunhos de paz pelos nossos gestos, pela nossa ação"
Braga, claramente, é um destino cada vez mais procurado pela comunidade dos brasileiros em Portugal. Estava a dizer que muitos já estão integrados nas paróquias, também sabemos que há outros que pertencem a diversas igrejas e comunidades cristãs. Há uma noção aproximada desta realidade? Ela representa também um desafio para as comunidades católicas?
É um enorme desafio. Dos dados que conheço, são cerca de 30 mil brasileiros que estão no território e muitos deles professam a fé católica. estão a renovar as comunidades onde estão inseridos, sobretudo com propostas de formação ativa e criativa na constituição de tantos grupos e movimentos. É certo que também, a par disso, existem muitos outros desafios com seitas e outras igrejas, outras religiões, com as quais procuramos também estabelecer o diálogo que já é possível. Por exemplo, a presença da Igreja Metodista em Braga, que é significativa: na terça-feira irei celebrar com eles a Páscoa para que todos estes sinais possam ser também sinais de esperança. Pela primeira vez nestes três anos, irei celebrar ao Estabelecimento Prisional em Braga, em plena Semana Santa. Estão reunidas as condições para que tal possa acontecer e é de facto um momento grande.
A Arquidiocese vai destinar a renúncia quaresmal à aquisição de livros litúrgicos, especialmente do Missal Romano, para oferecer às dioceses de Bafatá e de Bissau, na Guiné-Bissau, onde esteve em visita há algumas semanas. Que impressões trouxe da sua passagem por aquele país africano?
É uma experiência muito bela, muito intensa e profunda. E para ser consolidada. Nasceu com o acolhimento de um padre para o doutoramento em Filosofia, na Católica, em Braga, e na relação que se estabeleceu com o administrador diocesano, um padre italiano, e neste momento já com o bispo eleito que na oitava da Páscoa estará em Braga para consolidarmos esta relação. Na ida lá, juntamente com a responsável do Centro Missionário da Arquidiocese, já levamos cem quilos de livros que foram entregues às paróquias e estamos também com o projeto da Biblioteca do Seminário Maior Interdiocesano de Bissau-Bafatá e na ajuda da criação da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica naquele país, para, naquilo que nos é possível, podermos reforçar - na formação, na proximidade, na cooperação recíproca - estes laços de fraternidade e de proximidade. É uma Igreja muito presente, muito significativa naquele território maioritariamente muçulmano.
Os dias em que lá estive, os dez dias, coincidiram também com o Ramadão e a nossa Quaresma, o que permitiu conhecer mais de perto essa realidade e fazer essa experiência num país de língua portuguesa, com os desafios que estão inerentes. A Igreja Católica está a fazer um bom trabalho e nota-se também com os catecúmenos que são apresentados agora na Vigília Pascal.
"[em Braga] As igrejas voltaram a encher"
A convivência entre muçulmanos, cristãos e católicos é diferente em Bissau e na Guiné do que é, por exemplo, noutros países da África, onde a hostilidade é progressiva?
Sim, com alguns riscos, mas é uma relação pacífica e sempre com muitos pontos de entendimento. Eu próprio fiz essa experiência na bênção de um terreno para a construção de uma capela em território muçulmano e, depois, em troca, a comunidade cristã está a cooperar também na construção da escola corânica nessa mesma comunidade. Senti nestas comunidades uma relação muito humana, muito próxima, muito fraterna.
Costuma referir-se à paróquia de Santa Cecília de Ocua como a paróquia 552. Também esteve recentemente no território e não há muito tempo, na Renascença, o padre Manuel Faria descreveu que neste momento existem situações de fome extrema na região. Que notícias é que lhe têm chegado?
Neste momento e já depois do Ramadão - porque a nossa paróquia de Santa Cecília e de Ocua, em Cabo Delgado, Diocese de Pemba, se situa num território maioritariamente muçulmano - começam a sentir-se movimentações que trazem alguma preocupação e vigilância. No entanto, a Igreja continua com essa ajuda próxima das pessoas e, neste momento, até está a decorrer um curso para catequistas, na programação normal da Semana Santa e das atividades que temos em curso, nomeadamente o apadrinhamento de 220 jovens, raparigas, para o secundário. Felizmente, foi possível conseguir isto. Gostaríamos de apoiar mais para ajudar na formação das mulheres, na própria promoção da sua dignidade humana. Não conseguimos resolver todos os problemas, mas, no lugar onde estamos, aquela comunidade do padre Manuel Faria, com a Sandra e a Paula, é um sinal de esperança para aquele povo, nas mensagens, na partilha que fazemos, sentimos isso e que sem nós seria muito pior.
"[em Moçambique] A Igreja Católica está a fazer um bom trabalho"
Essas manifestações preocupantes a que se referiu têm a ver com novos ataques terroristas?
Pode ser, há algumas notícias que conduzem a isso, ainda não tenho mais dados e não falei sequer com o senhor D. António Juliasse, bispo de Pemba. Foram só informações das nossas conversas últimas, mas estamos a acompanhar. Todos os dias, o Centro Missionário Arquidiocesano faz esse ponto de situação. A nossa maior ocupação é junto das comunidades que nos estão confiadas e também dos seminaristas que acolhemos aqui - temos sete seminaristas em formação da Diocese de Pemba, dois deles este ano já regressarão à Diocese. Um novo desafio também está para acontecer e até porque há renovação das equipas, esperamos que possa trazer novos horizontes de esperança. Bom seria que a paz fosse efetiva ali no território, com tudo aquilo que compreende desenvolvimento integral e integrador que ainda está muito longe.
Tem também acompanhado como decorre a recuperação das consequências do último ciclone?
Tem sido muito lenta, as ajudas também são as possíveis, mesmo aquilo que nós conseguimos na Arquidiocese e em muitos outros lugares. Sei que outras paróquias fora da Arquidiocese de Braga, na Diocese de Viana do Castelo, fizeram a renúncia quaresmal para este fim. Estamos a tentar ajudar o mais possível as famílias, na reconstrução das capelas, dos lugares de encontro e, sobretudo, também na sustentabilidade daquelas comunidades. Agora, decorre o tempo das chuvas, é um tempo de esperança para aquele povo, esperamos que as colheitas também sejam boas para que as famílias se possam reorganizar.
As situações de fome de que nos falava o padre Manuel Faria persistem?
Sim, pelos dados que temos, persistem, porque nós não conseguimos acudir a todas as situações. Aos que estão mais próximos da missão ou dos programas de apoio, é-lhes possível manter essa sóbria alimentação diária, enquanto não têm o fruto das suas colheitas, mas em áreas mais longínquas do centro da paróquia ainda se sente essa grande dificuldade. O padre Manuel Faria, nos artigos que tem escrito e também na entrevista que deu aqui, é testemunha em primeira mão desta dura realidade na missão.
"Tradição não é a mesma coisa que tradições"
Esta vai ser uma Páscoa marcada pela incerteza no mundo, a vários níveis, também com conflitos militares e guerras comerciais. Sente que vai ser mais difícil passar uma mensagem de esperança?
É difícil no tempo que nos toca viver, porque é muito complexo: é a guerra económica, é a guerra que corre na Ucrânia, na Terra Santa, em tantos outros lugares do mundo... São as ideologias que não respeitam a dignidade da pessoa humana, a sua identidade e este desenvolvimento em ordem à paz, ao progresso, à ecologia integral. Por isso, torna-se difícil a transmissão da paz, mas a própria celebração da Páscoa anual é um momento privilegiado de sermos testemunhos de paz pelos nossos gestos, pela nossa ação. Antes de mais, para quem é crente, pela oração confiante naquilo que é a nossa esperança e por isso não engana, como nos propõe para este Jubileu o Papa Francisco - sermos peregrinos de esperança e de uma esperança que não engana, porque é Jesus Cristo, é Ele o caminho, a verdade e a vida. Sem a cruz não há Páscoa e sem Páscoa não há cruz e ser peregrino é isto mesmo, é encarar a realidade numa procura constante de ultrapassar os obstáculos e torná-la um lugar de esperança.
A esperança tem de espantar, nós temos de nos surpreender e esse é o grande anúncio da Páscoa: que Cristo ressuscitou, que Ele nos ama, que nos quer bem e todos os nossos gestos e ações têm de ser nesse caminho de Páscoa para trazer mais luz, mais alegria e beleza a este mundo que habitamos, para que continue a dar gosto e consigamos também rasgar, cada vez mais, horizontes de esperança para toda a humanidade.