24 abr, 2025 - 21:46 • Maria João Costa, enviada da Renascença a Roma
A voz do embaixador fica embargada algumas vezes durante a entrevista. As memórias do Papa Francisco na vida do diplomata Domingos Fezas Vital são marcantes. O embaixador de Portugal junto da Santa Sé está a terminar a sua missão em Roma, mas reconhece que a azáfama que tem tido em torno do funeral do Papa é um daqueles momentos “em que todo o esforço vale a pena”.
Nesta entrevista à Renascença, enquanto prepara a logística para receber o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa; o presidente da Assembleia da República, Aguiar-Branco; o primeiro-ministro, Luís Montenegro; e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel; Domingos Fezas Vital diz que o peso desta delegação política espelha a “importância que Portugal atribui às relações com a Santa Sé”.
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O diplomata experiente diz que Francisco foi, “de alguma maneira, profético em relação à situação que vivemos hoje”. Um “Papa pastor” que queria estar próximo do seu rebanho, mas que soube alertar para a contaminação dos efeitos de uma guerra. Fezas Vital, emocionado, termina a entrevista a dizer que já foi à Basílica de São Pedro, onde o corpo do Papa está em camara ardente, agradecer-lhe. E revela a última conversa, saudosa e bem disposta, com Francisco.
Explicador Renascença
O último adeus ao Papa realiza-se no sábado de man(...)
Que preparativos estão em marcha para receber as altas figuras políticas que vão marcar presença no funeral do Papa Francisco?
É uma operação extremamente complexa, mas é daqueles momentos na vida de qualquer embaixador, em que todo o esforço vale a pena.
Vamos estar representados a muito alto nível, no reflexo da importância que Portugal atribui às relações com a Santa Sé, que como nós sabemos, são um elemento importantíssimo na definição do que nós somos, como país e como portugueses.
Não lhe posso esconder que, obviamente, o trabalho é muito, mobiliza todos os poucos funcionários que esta embaixada tem, o protocolo de Estado, as Casas do Presidente da República, do Sr. presidente da Assembleia da República, o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Estamos todos a trabalhar para um mesmo objetivo, mas todos com a consciência de que o estamos a fazer por algo que dignifica o país e que nos permite estar à altura de um momento muito especial.
Quais foram, no seu entender, os pontos chave do pontificado de Francisco no mundo e, em particular, para Portugal que visitou duas vezes?
Foi um Papa pastor. Muito mais do que um teólogo, do que um homem preocupado com o rigor teológico, o Papa Francisco e o seu pontificado foram um período de exercício de magistério de um Papa pastor.
A grande preocupação dele era a proximidade das pessoas, dos seus problemas, das suas angústias e alegrias. Ele é o homem da igreja de saída, que vai ao encontro das pessoas, para as perceber, para poder com elas ser capaz de encontrar caminhos mais próximos das suas expectativas.
O Papa Francisco é um Papa cujo pontificado vai, na minha opinião, ficar definido e marcado pelo lema que resultou da Jornada Mundial da Juventude: “Todos, todos, todos”.
Este “Todos, todos, todos”, no entender dele, não queria dizer “Tudo, tudo, tudo”. Era uma coisa muito diferente.
Era a ideia, partir da sua crença absoluta no poder da conversão vinda da mensagem do Evangelho, que chamando as pessoas, e elas tomando conhecimento e contacto com a mensagem, a conversão seria um caminho natural.
E, portanto, a prioridade estava em as chamar e fazê-las sentir-se incluídas e parte da grande família da Igreja. Depois se veria que caminho cada um percorreria, sempre iluminado pelo Evangelho.
E a ligação a Portugal?
É com alguma emoção que me lembro do último momento que tive com ele. Foi o cumprimento do Corpo Diplomático no início de janeiro.
Quando chegou a minha vez de o cumprimentar, ele abriu os braços e disse-me: “Portugal! Não posso esquecer aqueles dias inesquecíveis que ali vivi. O que passámos, foram dias extraordinários. Como aliás não posso esquecer os pastéis de nata!”, disse-me também.
Guardo da Jornada Mundial da Juventude, um momento. Não me poderei esquecer nunca daquela lição que ele deu na última missa que celebrou no Parque Tejo, em que pediu aos estrangeiros que ali estavam que agradecessem como os portugueses. Explicou-lhes que os portugueses, para agradecer, usavam uma palavra que era obrigado.
Era a única língua do mundo em que agradecer significava estabelecer uma relação de compromisso com o outro. E ele dizia, se o mundo for capaz de agradecer como os portugueses, o mundo será certamente muito melhor. E isso são momentos que ficam.
Para o patriarca de Lisboa, o facto de Francisco p(...)
É diplomata de carreira, agora junto da Santa Sé. Como avalia o papel diplomático de Francisco durante o seu pontificado?
O Papa foi de alguma maneira profético em relação à situação que vivemos hoje.
Eu lembro-me que quando o Papa começou a falar de uma guerra mundial aos pedaços, as pessoas achavam que o conceito era um pouco estranho. Era um mal bizarro falar de uma guerra mundial aos pedaços.
Hoje, toda a gente o cita. E o conceito, infelizmente, tornou-se perfeitamente compreensível para todos. E porquê que ele dizia isto? Porque o Papa Francisco sempre percebeu que as coisas estavam interligadas. Ele dizia isto muitas vezes. Tudo está ligado.
Mesmo quando falava da natureza e das alterações climáticas, falava do impacto que isso tinha na vida das pessoas e como isso alterava formas de viver. E como essas alterações depois tinham implicações políticas e económicas. Havia muito a noção da interligação de tudo.
E isto aplicava-se também, à situação internacional. E o que ele dizia é que uma guerra em qualquer lado do mundo, hoje em dia, tem um impacto que vai muito para lá do cenário do conflito. Tudo está ligado.
Aquilo a que assistimos hoje, infelizmente, é a prova provada de que essa visão era certa, ajustada, profética. O que está a suceder hoje em dia, nos vários conflitos que se vão multiplicando por esse mundo fora, são situações que se ligam umas às outras. Ele foi sempre uma pessoa que chamou a atenção para isto.
Dizia sempre, cuidado, porque qualquer situação de conflito, de guerra, seja onde for, implica-nos a todos, como seres humanos, como cristãos.
Tem experiência como diplomata em instituições como a NATO. No atual contexto internacional e, conhecendo bem a América como conhece, pergunto-lhe qual o perfil do próximo Papa que pensa ser necessário ao mundo?
Essa será a pergunta a que os cardeais terão que responder no Conclave, levando em conta variadíssimos fatores.
Alguém me dizia uma vez, com grande sabedoria aqui, que de cada vez que estas questões se colocavam, que havia sempre grandes discussões sobre as correntes mais progressistas, mais conservadoras, as questões étnicas e as regionais. Mas, ao final do dia, a pergunta essencial que cada um daqueles Cardeais se fazia é: “Quem é a pessoa certa, neste momento para a igreja?” É isto.
Eles olham para a situação da Igreja, para a situação do mundo, e em função dessa leitura colocam esta pergunta fundamental: “Quem é, de nós, nesta sala, a pessoa mais capaz de servir a igreja bem neste contexto?”
Já temos visto muitas surpresas, mas, enfim, há obviamente, para quem é católico, para quem é cristão também, a crença de que o Espírito Santo fará valer também a sua voz. No coração de cada um deles, saberá apontar o caminho mais certo para a hora da decisão.
Mas que perfil acha que deve ter o próximo Papa? Alguém que saiba contruir pontes?
Essa palavra que acabou de dizer é uma palavra muito interessante. O pontífice é aquele que estabelece pontes. E eu acho que tem toda a razão.
Quem vier por aí terá que ter isso muito presente, como este Papa já teve.
Poderá ter outro estilo, outras preocupações, outra forma de ser e de estar, mas a preocupação em estabelecer pontes no mundo em que vivemos é absolutamente fundamental.
O Papa Francisco falava sempre, aliás era um ponto que tinha em comum com uma das prioridades da nossa política externa, a importância do multilateralismo.
Exatamente porque os desafios são cada vez mais globais, a única forma de os resolver é em conjunto, através dos instrumentos e mecanismos que o multilateralismo nos fornece.
Francisco vivia numa grande preocupação com a crise evidente por que passa o multilateralismo. Mas eu direi que quem vier, seja mais parecido ou menos parecido no seu perfil com o Papa que nos deixou, vai ter que ter essa preocupação.
É a necessidade de criar pontes, dentro da igreja, porque sabemos que a igreja é feita de homens e, portanto, as pessoas têm opiniões diferentes e há imensas questões que se colocam hoje que não se colocavam há 20 ou 30 anos e para as quais a igreja tem que encontrar respostas.
O Papa terá que, dentro da Igreja, conseguir estabelecer as pontes necessárias que permitam manter a coesão, respeitando as posições de cada um.
Depois pontes para fora. Uma das coisas que fica evidente com o que se está a passar nestes dias aqui em Roma, é o enorme apreço que havia a nível mundial por este Papa.
É o enorme prestígio que apesar das tendências seculares que se vivem na Europa e até noutras geografias, a igreja continua a ter
No meio de tanta azáfama já conseguiu ter tempo para ir à Basílica de São Pedro velar Francisco?
Já…
Com que espirito ali esteve?
Agradeci-lhe… agradeci-lhe.