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Renascença em Roma

Dos óculos aos gelados, Francisco era “o pai do mundo” que atravessava Roma

24 abr, 2025 - 10:00 • João Pedro Quesado

Foram muitos os momentos em que o Papa Francisco foi visto por Roma, a tratar de questões tão mundanas como mudar as lentes dos óculos. Luca e Francesco descrevem uma pessoa próxima, “família”, que carregava o mundo às costas sem se queixar.

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Quem chega à Piazza del Popollo tem a atenção facilmente dominada pelas três igrejas, pelo obelisco (egípcio) mais antigo de Roma ou pelo Museu Leonardo da Vinci. Mas, por obra do Papa Francisco, a história da praça não fica apenas nas pedras da Roma Antiga.

Do lado esquerdo da Basílica de Santa Maria de Montesanto, encafuada num pequeno e centenário edifício adjacente, está a Ottica Spiezia. Foi aqui que Francisco apareceu de surpresa ao fim de uma tarde de setembro em 2015, para comprar não óculos novos, mas sim mudar as lentes da simples armação que utilizava.

“É um momento muito peculiar para mim e para o meu pai”, conta Luca Spiezia, que agora é o dono e gerente do negócio. “É importante porque aquele Papa não é o Papa normal, mas é, pela primeira vez, um homem, e não quer ficar lá em cima, com o poder” — para Francisco era “importante ficar com os pobres e as pessoas normais”.

A primeira visita de Francisco foi planeada pelo Vaticano, com um monsenhor a aparecer na loja para verificar, inicialmente, se era possível Luca e o seu pai, Alessandro, irem ao Vaticano para mudar as lentes do Papa.

“Depois de um dia, voltou o mesmo monsenhor, porque o Papa queria ir à loja”, revela Luca, recordando ter dificuldades, juntamente com o pai, em acreditar que o chefe da Igreja Católica iria lá aparecer. Depois de uma chamada de confirmação no dia da visita, Francisco “apareceu no carro sem a segurança”, entrou na loja, e gerou uma atenção desmedida na rua e nas redes sociais.

Da segunda vez, em julho de 2024, o processo foi diferente. “O Papa ligou para o meu pai, ‘olá, sou o Francisco. Papa Francisco’”, lembra Luca, imitando as expressões faciais que o pai terá feito nesse momento. O pai, Alessandro, ainda terá dito que ia à Casa de Santa Marta, mas a resposta do Papa foi para “não se preocupar, porque já lá tinha ido três vezes”.

“É o pai do mundo”, descreve Luca, ao continuar a recordar que o Papa insistia em responder e apresentar-se como Francisco, e não Papa Francisco. “Ele queria ser um Papa simples, não um Papa de distância”, para quem era normal estar com as pessoas desde os tempos como arcebispo na Argentina.

Os gelados recebidos “sempre com um sorriso”

A algumas centenas de metros do Vaticano, Francisco tornou ainda famosa uma gelataria. O espaço é relativamente pequeno, mas suficiente para acolher os clientes à procura de um refresco doce.

Francesco já está calejado da atenção mediática ao seu espaço, que abriu na rua Borgo Pio no mesmo dia em que Jorge Mario Bergoglio passou a ser conhecido como Papa Francisco, 13 de março de 2013. “Era amigável, simples”, conta o dono da loja, homónimo do Papa e admirador deste.

A data de abertura faz com que este não fosse um lugar que Francisco já conhecia das suas passagens por Roma antes de ser Papa. Mas o orgulho de Francesco Ceravolo em servir o Papa não é diminuído.

“Levamos sempre doces ao Papa, fomos nós que, desde o primeiro ano, tivemos a honra, o orgulho de o servir”, conta o dono orgulhoso, frente ao balcão de sabores frios, recordando os “bolos, sorvetes, gelados, especialmente para os aniversários e para os eventos mais importantes”, sendo “sempre recebidos com um sorriso”.

Doces aos "menos afortunados": Papa pediu a esta gelataria em Roma para "pensar nos pobres"
Doces aos "menos afortunados": Papa pediu a esta gelataria em Roma para "pensar nos pobres"

Impedido de comer doces nos últimos tempos, o Papa “dava-nos instruções para os dar aos mais pobres, especialmente na área da Colunata de São Pedro, onde estão os últimos, os sem-abrigo”. A história que Francesco conta não é válida apenas para os últimos meses do pontificado: em 2018, o Papa deu 3 mil gelados às pessoas em situação de sem-abrigo; em 2021, durante um verão especialmente quente, Francisco deu 15 mil gelados aos prisioneiros de Roma.

“Uma pessoa extraordinária”, lembra Francesco, frente a uma ilustração do Papa Francisco a carregar ao mundo às costas. “Eu já o vejo como santo, é o melhor comunicador de todos os tempos. Não há internet, não há rede social que possa ter o poder da sua palavra”, descreve o dono da gelataria, prevendo uma “tarefa difícil” para qualquer que seja o sucessor na cadeira de Pedro.

Qual era o sabor favorito de Francisco? Francesco simplesmente fecha a boca com uma chave, repete que o Papa era um homem simples, e fala apenas num gelado de limão. “Deixava-o feliz, mas muito curioso”.

Um Papa de família

“Em dez dias fui ao Vaticano duas, três vezes”, diz Luca sobre outras visitas de trabalho ao Papa. “Fui ao apartamento, falei com o Papa e é o mesmo como quando vais ao bar com um amigo”, conta, recordando a conversa desde o “como estás?” ao “não te preocupes, o negócio sobe e desce, é normal, é como a vida”.

Depois de 10 anos, Francisco tornou-se como alguém da família de Luca, “como um pai ou um avô”, pelo que demorou a acreditar na notícia da morte — de que soube primeiro por mensagem, e depois confirmou pela televisão, ficando em “silencio total” durante “30 ou 40 minutos”.

Foto: João Pedro Quesado/RR
Foto: João Pedro Quesado/RR
Foto: João Pedro Quesado/RR
Foto: João Pedro Quesado/RR
Foto: João Pedro Quesado/RR
Foto: João Pedro Quesado/RR

Luca não vai ao funeral do Papa Francisco, mas planeia ir à Basílica esta quinta-feira para prestar homenagem e velar o corpo do amigo que se tornou família. “Há um silêncio muito particular” nessa fila, diz, lembrando-se da morte de João Paulo II.

O sentimento de sorte por ter conhecido Francisco de perto é revelado no sorriso enquanto fala quase efusivamente. Luca quer dizer “um último olá” ao Papa, “um homem muito bom”, e depois volta à Ottica Spiezia, onde algumas fotos discretas contarão sempre a história de proximidade de um Papa.

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