01 mar, 2016 - 16:25 • Marta Grosso
A pergunta do título é uma daquelas questões para um milhão de dólares. Educar uma criança não é tarefa simples, mas é a ferramenta mais importante para se transformar uma sociedade, diz Cristina Valente, autora do livro “O que se passa na cabeça do meu filho?”. Como? Criando “adultos estruturados e com competências de comunicação positivas”.
“Dificilmente percebemos que tudo começa, de facto, no início da vida de cada ser humano e que todos os outros problemas da sociedade – as guerras, as crises – têm sempre a ver com a forma como os primeiros adultos da nossa vida lidaram connosco”, afirma.
Respondendo ao desafio lançado pela editora Manuscrito, e depois de a própria vida a ter aproximado das neurociências, a psicóloga Cristina Valente decidiu ajudar os pais a decifrar o que pensam os seus filhos, melhorando assim a interacção com os mais pequenos, adolescentes incluídos.
Dez regras essenciais para lidar melhor com o seu filho:
1. Permitir a autonomia
Muitas vezes, os pais "querem controlar demasiado tudo o que acontece aos filhos, seja superprotegendo-os, seja escolhendo por eles algumas coisas que devem ser eles a escolher”. A única maneira de o ser humano aprender é errando. “Errar à base de amor”.
“A maior parte das queixas que recebo dos pais é que os miúdos não são responsáveis, não respeitam o ponto de vista do outro, não obedecem... Todas essas queixas têm a ver com a forma como nós programamos o seu cérebro, com a maneira como os deixamos ou não vivenciar determinadas experiências”, explica Cristina Valente, que é também “coach” familiar.
Ao não permitir que as crianças vivam determinadas coisas na idade correcta, estamos a interferir com o desenvolvimento da sua responsabilidade.
2. Comunicar
É na comunicação que está a chave. Educar é comunicar. E a comunicação faz-se “em todos os minutos, mesmo quando estamos calados”. Apenas 7% da nossa comunicação é verbal.
Mas “as competências de comunicação não são inatas”. A maior parte das pessoas sofre de “uma espécie de analfabetismo emocional, que complica imenso a comunicação com os filhos”. Quando começamos a comunicar melhor, conseguimos um “retorno positivo” da parte das crianças e estamos “a dar o exemplo”. “Quando conseguimos resolver as nossas emoções, a nossa comunicação com o outro fica muito mais facilitada”, sublinha.
3. Dar menos ordens
“Somos muito directivos e autoritários e esse é logo um grande erro”, aponta Cristina Valente. “Quando falamos num tom autoritário com alguém, obviamente essa pessoa está mais preocupada em defender-se do que propriamente em escutar e integrar o que a outra pessoa está a dizer. E nós todos temos essa experiência do dia-a-dia, quando estamos a falar com um colega ou amigo”, exemplifica.
A maneira como comunicamos e reagimos a uma provocação é a chave. Isto implica uma reprogramação da nossa parte. Não é fácil, mas é possível.
4. Ensinar a canalizar as emoções
Quando os pais dizem a um filho que ele tem direito de estar triste e lhe explicamos de que forma pode resolver essa tristeza, quando dizemos que pode sentir raiva, porque é normal, e o ajudamos a canalizar esse sentimento “de uma forma que não magoe ninguém, nem destrua objectos”, estão a ensiná-lo a lidar com as suas emoções e a tornar-se um adulto mais estruturado e capaz de lidar com as adversidades.
5. Não personalizar
Muitas atitudes e comportamentos dos filhos mexem com o ego dos pais. “Quando um miúdo está a desafiar-me e diz, por exemplo, ‘tu não mandas em mim’, o meu ego sofre uma ferida. A resposta instintiva é negativa e violenta – um grito, uma palmada, um castigo e/ou uma ordem", diz Cristina Valente. Porquê? Os pais sentem-se inseguros. “Porque, no fundo, sabemos que não lhes estamos a dar o melhor. E o melhor é tempo”.
Há que despersonalizar a situação. "Quando um miúdo diz ‘tu não mandas em mim’ ou ‘não gosto de ti’ “pode ser um grito de ajuda, pode ser um miúdo com falta de regras (porque é desestruturado e não sente segurança, dada pela previsibilidade das rotinas que os adultos lhe devem proporcionar)”, sugere a autora.
Lembre-se: “Tudo o que uma criança diz, pensa ou decide tem uma leitura muito diferente da do adulto, pela simples razão de que o cérebro dela não é igual ao nosso. Quando os pais percebem isso, vão responder de uma forma muito mais positiva e assertiva”.
6. Não entrar no espectáculo
“Das necessidades maiores de uma criança é a atenção. Na maior parte das vezes, portam-se mal para atrair a atenção do adulto” porque têm noção da “sua própria insignificância e da sua pequenez”.
Montam o espectáculo e vêem no que dá. Se o pai entrar no “show”, está a condicionar o cérebro da criança e a dizer-lhe que só é amada e importante quando o pai/mãe se zanga. Se, por outro lado, não lhe der atenção, ela vai perceber que só vai captar a atenção quando fizer coisas positivas.
Pai, não compre a guerra. "[É] muito mais interessante [do ponto de vista educativo] virar-me para o meu filho e dizer-lhe ‘estou a ficar muito zangada, porque tu não estás a fazer determinada coisa e eu gostaria muito que tu fizesses’ do que dar um grito e dizer que ele é desarrumado ou ameaçá-lo com um castigo”.
“Esta é a diferença fundamental que temos de definir se queremos criar adultos estruturados e com competências de comunicação positivas”, diz Cristina Valente.
7. Respeitar os filhos
Se eu quero ser respeitado pelo meu filho, tenho de lhe mostrar como é que isso se faz. O psicólogo Alfred Adler defendia: “Temos de ter uma relação de respeito, de igualdade com os nossos filhos”. O que não significa perder a autoridade.
“Somos muito bons a exigir respeito, mas somos muito maus a dar o exemplo e a respeitar os nossos filhos”, afirma Cristina Valente.
Uma razão pela qual os miúdos muitas vezes reagem melhor a alguém estranho é que essa pessoa não lhes fala num tom autoritário. “Nenhum ser humano inteligente reage bem quando alguém se vira para ele, do alto da sua arrogância, e diz: ‘Olha, vais fazer isto porque eu é que mando’”.
8. Apostar no vínculo
Muitas crianças chegam à adolescência distanciados emocional e fisicamente dos seus pais. “Quase que vivem em casa sem trocar momentos de qualidade com os pais. Obviamente, estão a responder da mesma moeda”.
O dia-a-dia dos pais actuais não é fácil e conseguir ter tempo de qualidade com os filhos é um desafio cada vez maior. Muitas vezes, o pouco tempo que se lhes consegue dedicar é passado entre festas, a aula de natação e outras actividades. Quando ficam em casa, estão “cada um na sua, metido para dentro, a ver televisão, no tablet, no computador, no telemóvel...”.
“Não podemos esperar miúdos saudáveis se continuarmos a dar este exemplo”, avisa a “coach” familiar.
9. Ser líder
Promover a igualdade no respeito e na dignidade é reforçar a disciplina – algo que não tem nada a ver com castigos. Cristina Valente acredita num paralelismo entre liderança e educação. Queremos ter discípulos em casa.
“Quando eu lidero, faço-o pelo exemplo. Não tenho de dizer que sou eu que mando. As pessoas seguem-me, porque eu sou um exemplo, elas reconhecem em mim autoridade. E é isso que temos de passar a fazer com os nossos miúdos”, afirma a autora de “O que se Passa na Cabeça do Meu Filho?”.
A obediência vai deixar de ser, assim, uma questão, passando a ser uma consequência.
10. Nunca desistir
“Fazermos o melhor pelos miúdos, sermos melhores pessoas e esperar que eles sejam melhores pessoas é sempre possível em qualquer idade. Nunca desista deles, muito menos na fase da adolescência. Nós [pais] estamos sempre a tempo de remediar seja o que for”, sublinha Cristina Valente.
Resumindo, o que vai na cabeça das crianças?
As crianças têm uma percepção da realidade muito diferente da dos adultos e ter noção disso é fundamental para se conseguir construir e cimentar a relação pais-filhos.
Quando uma criança diz “não gosto de ti” ou “és má/mau” ou tem um comportamento mais desrespeitoso, isso resulta muitas vezes de frases que ouve e às quais não atribui o sentido total. Quando lhe atribui sentido, fica à espera da reacção do adulto, porque quer espectáculo e ver até onde vai o pai ou mãe.
A resposta do adulto define em grande medida o comportamento da criança no futuro, diz Cristina Valente. “O cérebro é como um computador muito poderoso” e, portanto, “funciona com programação”, mas “muitas vezes estamos a programar a mente das nossas crianças da forma errada”, o que leva a maus comportamentos e dificuldade em que façam o que queremos.
“A forma como a criança se comporta pode prever-se e explicar-se, pois processa-se de acordo com determinadas leis. Se as conhecermos, poderemos actuar de acordo com elas, tornando-se mais fácil descodificar, aceitar e controlar comportamentos”, diz a autora no livro, no qual enumera várias situações difíceis que os pais enfrentam e explica por que é que um miúdo “pode dizer isto e estar a querer dizer exactamente o contrário”.