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Cinema

"Bem Bom". Chega ao grande ecrã a história feminista das Doce

08 jul, 2021 - 08:30 • Hélio Carvalho

O filme realizado por Patrícia Sequeira destaca a importância da girl band no feminismo português pós-25 de Abril. Para Lena Coelho, o filme está imaculado.

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Mais de um ano depois da primeira data, o filme "Bem Bom", que retrata a história das Doce, vai finalmente estrear no grande ecrã. O filme é exibido a partir desta quinta-feira, dia 8 de julho, depois de sucessivos atrasos provocados pela pandemia.

O filme, produzido pela Santa Rita Filmes e realizado por Patrícia Sequeira, pega na histórica e primeira girl band portuguesa a partir de 1979, passando depois pelo sucesso da banda no Festival da Canção de 1982.

No papel das quatro Doce, Fátima Padinha, Laura Diogo, Teresa Miguel e Helena Coelho, estão Bárbara Branco, Ana Marta Ferreira, Lia Carvalho e Carolina Carvalho, respetivamente. No papel de Tozé Brito, um dos criadores mais importantes do grupo, está Eduardo Breda.

Em grande destaque está o papel revolucionário das Doce. No documentário "Bem Bom - Realidade e Ficção", transmitido na quarta-feira pela RTP, é salientada a importância das Doce na luta feminista num Portugal saído da revolução de Abril de 1974. Fátima Padinha, uma das cantoras do grupo, diz mesmo que "a independência das mulheres em Portugal começou com as Doce", não só pelo arrojo, a luta pela liberdade e libertação sexual e a independência, mas também pelo tipo de comentários que ouviram.

À Renascença, 'Lena' Coelho vinca que as Doce ajudaram "a libertar as mulheres em variadíssimos aspetos", que "Portugal não estava preparado para o aparecimento das Doce" e fica contente que a inovação cultural que as Doce trouxeram seja reconhecida agora.

"As Doce foram muito maltratadas, sempre. E finalmente houve alguém que se lembrou de que as Doce existiram, que foram quatro mulheres fabulosas, que foi um grupo que nunca mais houve nenhum, que demos alegria, sonhos, tudo aos portugueses. Nós fomos uma revolução dentro de outra: o 25 de Abril tinha sido há pouco tempo, ainda estávamos a aprender a viver sem ditadura, ainda a estávamos a viver. E mesmo a nível cultural e oficial, devíamos ter sido muito mais acarinhadas e louvadas", lamenta 'Lena'.

Tecendo comparações para os tempos atuais, onde o feminismo e as lutas sociais têm outra visibilidade, Helena Coelho diz que o trabalho das mulheres continua a ser muito desvalorizado - dá o exemplo das dificuldades de financiamento da própria realizadora, Patrícia Sequeira.

"Muito do que se passou nos anos 80 continua a passar-se hoje em dia. E quem não viveu a altura das Doce, toda esta geração em que eu tenho muita fé e que acredito que vão ser melhores pessoas, é bom verem porque vão perceber como era a vida naquela altura. O esforço, a dedicação, a entrega, as barreiras que tivemos à frente, aquilo com que tivemos de lutar. É importante esses jovens perceberem em que época apareceram as Doce e as corajosas que nós fomos", disse.

Também a realizadora, Patrícia Sequeira - que também realizou "Snu", de 2009 e fez parte da produção de "Conta-me Como Foi" - enalteceu no documentário a importância das Doce em demonstrar o machismo da sociedade nos anos 80 e o início da luta feminista pós-25 de Abril.

"Numa sociedade extremamente machista, patriarcal, onde a mulher é submissa, cantar 'Ok Ok, põe-me KO"? Estas letras estão a falar da sexualidade, do prazer da mulher. Isto é arrojadíssimo, Portugal não estava preparado para estas quatro bombas! São mulheres que Portugal reconhece 40 anos depois. Elas tiveram um papel! As suas letras não têm mensagem? Que mensagem é maior do que esta de dizer às mulheres que podem fazer o que quiserem, que podem ter prazer?", questiona a realizadora.

Uma realizadora "fabulosa" e um casting "maravilhoso"

Além da mensagem feminista e revolucionária, Helena Coelho destaca precisamente o trabalho de Patrícia Sequeira. Para a ex-Doce, a realizadora é "tipo uma quinta Doce" e só tem elogios para oferecer.

"Ela viu-se e desejou-se para pôr este filme na tela, tem a minha maior admiração e estou muito orgulhosa, tanto pelo filme como pela realizadora e pela mulher. Aquela mulher é fabulosa", disse 'Lena'.

Segundo a cantora, ajuda muito o facto da realizadora ser uma mulher porque, diz, "tem uma sensibilidade muito apurada".

"E é uma mulher que está a falar de outras mulheres, que se põe no papel daquelas mulheres. Portanto, depois de todos os relatos que nós lhe demos, e falamos de todos os assuntos que estão expostos no filme, ela fez a versão que achava melhor", afirma, garantindo que o caminho escolhido por Patrícia Sequeira "está completamente elucidativo do que foi realmente: a forma como nós reagimos, a forma como, no início, a Laura sofreu. Está tudo muito real. O filme está muito real."

Helena Coelho também deixou muito louvor a Carolina Carvalho, que interpreta o seu papel na banda, e referiu que o casting das atrizes que representam as Doce foi "maravilhoso".

"Eu estava a ver o filme e eu estava a ver cada uma de nós. Eu revi as quatro mulheres. Houve alturas em que olhava para a Carolina e estava-me a ver, era eu, inclusive em gestos, formas de andar, interjeições... Foi um casting muito bem feito e são todas belíssimas, excelentes! Eu, Lena Coelho, não tenho nada a apontar de desagrado. Amei tudo!", exclamou.

Sobre o trabalho das atrizes em representar fielmente as Doce, 'Lena' destaca que estas "não são cantoras, esforçaram-se e deram o seu melhor (e o melhor é muito bom), tiveram aulas de canto, aulas de dança, estudaram-nos o máximo que puderam".

"Por exemplo, eu só conheci pessoalmente a Carolina a meio das filmagens. E apesar de algumas de nós nos termos conhecido tardiamente, fizeram aquilo na perfeição. Todas as atitudes da Carolina são as que eu teria, como da 'Fá', como da Teresa, como da Laura", disse.

Regresso aos ecrãs é janela para recordar as Doce

Depois de "Bem Bom", o regresso da música das Doce vai continuar durante algum tempo nos ecrãs. Está prevista uma série na RTP, de sete episódios, que foi realizada ao mesmo tempo que o filme (e cuja data de estreia ainda não é conhecida).

Helena Coelho confessa que, até Patrícia Sequeira aparecer, ninguém tinha pegado na história da Doce. Durante o documentário, as quatro lamentaram que as Doce tivessem sido "ignoradas" durante tantos anos, depois de terem inovado tanto no início dos anos 80.

'Lena' reafirma que as Doce estavam "à frente do seu tempo" e espera que o filme não só sirva de biografia para os mais jovens, que apenas conheceram as Docemania, mas também de olhar nostálgicos dos fãs das Doce durante o seu pico.

"Aos que gostavam de nós, vão porque vão reviver uma altura muito alegre das vidas, vão lembrar-se todas as canções, vão sair de lá com a alegria que as Doce davam em cada espetáculo. Para além de tudo o resto, da sensualidade, das roupas, do espetáculo, de tudo, o nosso espetáculo era principalmente alegria", salienta.

E para os críticos da girl band e das quatro mulheres, especialmente homens, 'Lena' é mais direta e espera "sinceramente que não tenham tanta trampa na cabeça, que sejam melhores pessoas e que vão ver o filme e que se redimam, e aplaudam, e de uma vez por todas pensem em nós como mulheres dignas que eles não mereceram."

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