03 jan, 2025 - 16:43 • Redação
“Foi um dos grandes vultos da literatura portuguesa do século XIX e um dos grandes nomes da escola realista.” É deste modo que Isabel Pires de Lima descreve Eça de Queiroz.
A antiga ministra da Cultura, com estudos e obra publicada sobre o autor, diz à Renascença que a transladação de Eça para o Panteão constitui “um reconhecimento um pouco desnecessário”.
Pires de Lima diz que o autor já é conhecido por todos os portugueses “pelo menos, através de uma breve ou longa leitura escolar” e a nível internacional. Porém, mas a transladação, uma iniciativa da Assembleia da República, é sempre um “gesto de reconhecimento público e do poder”.
Eça de Queiroz não deixou documentada nenhuma preferência sobre o destino dos seus restos mortais. O que aconteceu após a sua morte, em Paris, fora a transladação para Portugal: inicialmente para Lisboa, depois para um jazigo, em Baião, que pertencia à família da mulher.
Com a criação da Fundação Eça de Queiroz, por Maria da Graça Salema de Castro, viúva de um neto do autor, foi feito um novo jazigo na freguesia onde está sediada a fundação: Santa Cruz do Douro. Juntaram-se, assim, Eça, os quatro filhos e um neto. Faltou o corpo da sua mulher por não se ter conseguido identificar os restos mortais.
Para Isabel Pires de Lima, não há necessidade em proceder à transladação: “Não tenho nenhuma objeção de fundo. A minha única reticência decorre de se cumprir a vontade de Maria da Graça Salema de Castro, que foi, no fundo, a promotora, a fundadora, a dinamizadora da Fundação Eça de Queiroz."
“A minha convicção é a de que Eça estava tranquilamente ali, nas terras que inspiraram o romance ‘A Cidade e as Serras’, junto dos restos mortais dos seus filhos", declara.
Destacando que "é sempre honroso" ficar no Panteão, Isabel Pires de Lima pensa que "haveria muito mais gente a visitar os restos mortais de Eça de Queiroz em Tormes" do que em Lisboa. "Mas, enfim, não tenho nada contra”, remata.
Para os leitores que conhecem o nome do autor, mas já não têm memória de mais do que o famoso "Os Maias", Eça de Queirós foi um escritor de finais do século XIX, inserido no realismo e naturalismo português. É autor de uma obra literária vasta, com vários romances publicados, e foi cronista em jornais e revistas nacionais e internacionais.
Eça foi também cônsul de Portugal. Viveu vários anos fora do país, em Havana, em várias cidades em Inglaterra e em Paris, cidade onde acabaria por falecer.
Era um analista e um crítico da realidade que encontrava, denunciando-a nos seus romances. Enquanto romancista da corrente realista, o seu primeiro objeto de análise era a realidade e a sua literatura tentava espelhar de uma forma crua essa realidade. Isabel Pires de Lima explica que esta corrente literária, esta nova forma de escrever, não foi bem recebida na época.
“Nos Maias, há uma personagem que, de alguma forma, reconhecemos como o poeta romântico, caricaturado pelo autor. Alencar, num certo momento, diz que esses livros realistas e naturalistas, que é uma vertente específica do realismo, não podem ser colocados nas mãos das senhoras. Portanto, a ideia é a de que são livros imorais, que dão a ver uma realidade crua que as senhoras, as meninas não podiam ou não deviam conhecer o lado mais cru da realidade."
A antiga ministra da Cultura considera importante relevar a forma como Eça aborda a realidade. O autor recorre à ironia, à sátira e ao humor para provocar o riso, “e o riso é muito destruidor".
"É muito fácil destruir, desmontar, denunciar através do riso e do humor”, enfatiza.
“Ele é um mestre da língua portuguesa, um coletor da língua extremamente inovador, extremamente revolucionário na época”, afirma Isabel Pires de Lima, considerando que a linguagem do autor é “extremamente eficaz e extremamente bela”. A especialista destaca a forma inovadora comoEça constrói a ironia, usando certas figuras de estilo que acredita serem “extremamente enriquecedoras na criação de um estilo muito próprio”.
Como recomendação de leitura, a antiga ministra aconselha o romance "A Cidade e as Serra", que inclui numa literatura com atenção à questão ecológica. A história conta a experiência de um homem rico que vivia em Paris, rodeado de todos os bens de consumo da época, mas que leva uma vida entediante. Por razões familiares, viaja para o Douro e vai descobrindo, com o contacto com a natureza e a escassez, que aquele lugar regenera-lhe a alma.
“É um romance de uma grande atualidade para nós hoje. Acho que é um romance que seria muito interessante trabalhar com os estudantes no ensino secundário, porque dá a ver a experiência que se começa a viver, no final do século XIX, do excesso de consumo”."
"É exatamente a denúncia de que a abundância dos bens materiais nem sempre cria bem-estar. É preciso que o homem esteja também bem na sua relação com a natureza”, remata Pires de Lima.