19 fev, 2025 - 08:00 • Redação
Mais do que transmitir o sofrimento daqueles que chegam à Europa em embarcações clandestinas, "18 Months - Ópera sobre (corpos) refugiados" procura fazer chegar ao público uma mensagem de acolhimento, amor universal e esperança. Nesta ópera encontramos aqueles que partem, aqueles que acolhem e aqueles que dificultam e que ajudam no caminho.
Teresa Nunes, diretora criativa e uma das interpretes na peça, explica em conversa com a Renascença que este espetáculo procura fazer o público refletir sobre o valor humano dos refugiados, que nem sempre são bem recebidos: "Temos tendência para ficar no nosso quadradinho e, pelo medo do diferente, posicionarmo-nos de uma forma fechada."
"Se pensarmos que estamos aqui, em Portugal, completamente tranquilas e que estas pessoas também estavam nas suas casas tranquilas, em que muitas delas tinham posições no seu trabalho, como professores, médicos, seja o que for, e de repente viram todo o seu chão a ser abalado. Não estamos livres, aqui em Portugal, de algum dia termos uma crise climática, ou subida das águas, ou de termos uma guerra, e termos de abandonar o nosso terreno conhecido e ir para um outro sítio desconhecido. O que gostaríamos, se calhar, é ao irmos para um sítio desconhecido, sermos tratados como seres humanos. Se gostávamos disso, se calhar podíamos pensar um pouco em tratar estas pessoas como seres humanos que passaram por muito para conseguir chegar aqui ou a algum outro lugar para sobreviver", acrescenta.
A construção desta ópera teve como base testemunhos de refugiados em Braga, Famalicão e no Porto, seguindo o libreto do sírio Fadi Skyker, que atualmente está nos Estados Unidos da América, mas foi professor na Universidade do Minho, no curso de teatro em Guimarães.
"Temos tendência para ficar no nosso quadradinho e, pelo medo do diferente, posicionarmo-nos de uma forma fechada"
A companhia optou por trabalhar este tema da viagem daqueles que fogem para a Europa apenas pelo seu ponto de vista humano, sem tecer qualquer julgamento moralista nem demonstração de posicionamento político.
Teresa explica que, quando decidem trabalhar com a temática dos refugiados, "tomamos a decisão de não a politizar, mas sim posicionarmo-nos a favor da humanidade e do amor universal e que esse amor universal fosse o antídoto para o conflito e para a guerra. Este objeto não quer ser moralizante, quer que as pessoas retirem aquilo que precisam para elas, para serem mais humanas e para conseguirem aceder cada vez mais a este amor universal que temos dentro de nós".
Porém, a crença e a dimensão espiritual não foi ignorada. O espetáculo não tem nenhuma religião ou crença isolada na sua génese, mas segue com a representação de uma divindade, chamada Father, que "não é necessariamente religiosa, mas é uma entidade que tem mais conhecimento do que as outras personagens.
Essa personagem, em algum momento, pode ter o poder de ajudar, mas, de qualquer forma, há sempre a escolha própria das pessoas e a forma como se posicionam, que também faz com que esta intervenção do Father não seja fechada e não seja determinista". Acrescenta, "o que podemos dizer é que essas personagens do mundo divino representam também as forças que ajudam a que o caminho seja percorrido e chegar a bom porto e as forças que também trazem dificuldades".
"Chegamos a um ponto onde a música passa a ser esperança, é transformada em amor universal. Nesta esperança de que um dia estes ciclos de paz, guerra, paz, guerra, terminem não na guerra, mas na paz"
A composição musical de 18 Months está ao encargo do músico e compositor grego Dimitris Andrikopoulos, que trouxe às suas composições uma herança musical grega e bizantina, inspirando-se na sonoridade da música tradicional. A Grécia é um dos países europeus que recebe embarcações com refugiados, sendo um dos pontos de entrada destas pessoas na Europa. Por ser uma realidade próxima do compositor, Dimitris traz nas suas composições mensagens desta jornada difícil.
"Apesar de haver todo este caminho muito duro, que está apresentado musicalmente com áreas muito emocionalmente tocantes, chegamos a um ponto onde a música passa a ser esperança, é transformada em amor universal. Nesta esperança de que um dia estes ciclos de paz, guerra, paz, guerra, terminem não na guerra, mas na paz", acrescenta Teresa Nunes.
Já o formato multimédia permite à companhia perdurar as suas peças e torná-las mais práticas para viajar. "A multimédia tem várias funções. uma delas é podermos ter espetáculos portáteis que possam circular, o que, na altura que começamos, era uma novidade. Por outro lado, também tem a componente visual. A componente visual faz com que haja uma maior imersão do público e dá-nos uma outra dimensão da ópera. A componente multimédia faz ampliar toda a dimensão do que estamos a comunicar", explica Teresa Nunes.
A companhia procurou que, neste caso, a ópera tenha "uma componente vídeo mesmo muito preponderante, que tem este papel de nos dar o espaço, o tempo, e, muitas vezes, o ritmo do que está a acontecer".
Nas palavras de Teresa, o Quarteto Contratempos é uma companhia de criação artística de ópera contemporânea. Nos últimos anos, têm dedicado as suas criações a "temáticas fraturantes da sociedade", como a violência doméstica, a sustentabilidade ambiental, e, atualmente, a questão dos refugiados e todo o seu percurso até chegarem a uma terra supostamente segura.
A diretora-criativa explica que o Quarteto Contratempos procura resgatar o papel da ópera, que "historicamente, foi um meio para tratar temas políticos da sua época. Isto não é uma ópera documental. É uma ópera que foi inspirada em testemunhos de refugiados e que partiu daí para escrever a sua própria mensagem sobre esta temática".
"Eu acredito que a opera não é aquele espetáculo que vemos como elitista, como distante das pessoas, como um espetáculo que não se percebe nada do que está a acontecer. Eu acredito que a ópera pode ser muito próxima das pessoas e pode ser transformadora", acrescenta.