22 fev, 2025 - 12:16 • Lusa
Anda de bicicleta, "skate" e trotinete, pratica surf, toca piano, sorri muito, gosta de contar anedotas, quer ser cantora: Mariana tem 11 anos, é cega e "faz tudo", porque a família sempre quis olhar a deficiência "com normalidade".
"Temos de encarar a cegueira de forma natural. É só uma deficiência. Só não vê. De resto, pode fazer tudo - tem cabeça, tem cérebro, pode pensar. Nunca pensámos que não ia andar de bicicleta porque é cega. Aos 2, 3 anos, já andava na bicicleta sem pedais do irmão. Corria, andava por todo o lado. Anda de bicicleta, trotinete, "skate", faz "surf" adaptado. Se ela gosta e quer experimentar... Até ténis às vezes quer experimentar. E a gente põe-lhe uma raquete na mão. Nada como pô-la em contacto com as coisas e testar", descreve a mãe, no Porto, em declarações à Lusa.
Marta Peixoto deixou o emprego para acompanhar a filha, aprendeu braille para a apoiar com os trabalhos de casa, transcreveu para braille livros que não havia (Branca de Neve, por exemplo), delimitou os planetas de um globo terrestre com tinta de relevo para a filha os sentir, há um ano contratou uma professora de musicografia para a aluna do ensino articulado de música aprender a ler as pautas em braille, o sistema de escrita táctil que em 2025 cumpre 200 anos.
"Sei braille, mas não percebo de música. No ensino articulado, os professores não sabem musicografia. Consegui, por sorte, o contacto de uma pessoa licenciada em Música, cega, que veio viver para o Porto. São dificuldades que vamos ultrapassando. Dá trabalho. Temos de andar sempre atrás dos direitos dela, do que é bom para se desenvolver. Vais seguindo o instinto. Não me permite ter um emprego, mas foi uma opção nossa", esclarece.
Com a partitura em braille à frente, Mariana toca uma música de Czerny, e depois a "música preferida" - March op.69, de Shostakovich -, passa para as teclas pesadas da máquina de braille, que domina como as do computador portátil, lê em voz alta Tom Sawyer de Mark Twain e mostra o boneco do Harry Potter que a mãe comprou para ela tocar e sentir a personagem dos livros.
O surf é, "definitivamente", a atividade preferida, porque "é uma aventura e tanto" e ela gosta de "coisas radicais".
"Cada desafio é complicado, mas tento várias vezes. Este verão já me consegui pôr de pé na prancha - foi o máximo! O professor está ao lado a explicar tudito: assim é fácil", recorda.
Frequenta uma "escola normal" porque a família quis que ela sentisse "as dificuldades de qualquer criança", e que os pares normalizassem a aceitação da deficiência.
"O que queremos é a normalidade. É uma criança cega, mas é uma criança", justifica a mãe, para quem "a estranheza de uma deficiência se suaviza com o contacto e a visibilidade diária na sociedade".
"Se estiver numa escola normal, a deficiência acaba por se diluir, as crianças acabam por aceitar. Os colegas já fazem cartões de aniversário com relevo. Há um cuidado muito interessante que é despertado nas crianças. Mas tem de haver o contacto com a deficiência", defende.
Mariana começou a usar a bengala guia aos 8 anos, atravessa sozinha a passadeira com sinais sonoros à porta da escola, é autónoma na deslocação até casa. A mãe fica a ver ao longe, não interfere.
"Temos coisas muito caricatas: carros que abrandam, param e olham. Pessoas que ficam quietas à espera que a cega se desvie, em vez de se desviarem, porque ela tem de ir sempre junto à parede... Mas nunca vou esconder. A normalidade é essa - é ela andar na rua", sublinha Marta.
Na casa de dois pisos, Mariana circula sem bengala nem hesitações, ninguém fica à espera para ver se chega sem percalços ao destino. Gosta de ler, de dançar agarrada à mãe e de andar de mota "com o tio Pedro, quando ele está disponível", porque "é divertido demais". Distribui gargalhadas como se todos os momentos fossem uma festa, quer ser cantora e "seria fixe" fazer parte de uma banda rock como os Rolling Stones.