21 mar, 2025 - 10:00 • Redação
É já no próximo domingo, 23 de março, que a Orquestra Portuguesa de Guitarras e Bandolins abre as portas ao segundo espetáculo, de um conjunto de cinco, da temporada “Nova Música”.
A orquestra encomendou vários trabalhos a diferentes compositores portugueses e irá apresentá-los em cinco concertos por todo o país que trazem surpresas e que marcam uma referência na música de orquestra em Portugal.
A Renascença teve a oportunidade de conversar com a compositora portuguesa Fátima Fonte, autora de "Salema", a composição que terá a sua estreia neste espetáculo.
Salema foi uma composição que surgiu do convite da orquestra à compositora. Fátima Fonte explica como chegou a "Salema".
"No início do processo, ouvi uma série de gravações da orquestra, fui também a um concerto. Achei bastante curioso que várias das peças, até as do concerto, que eu ia ouvindo, vêm de países asiáticos. Algumas delas entram num idioma musical que associamos mais à Espanha, ou algo assim, porque a guitarra é muito marcada pela música espanhola e por sonoridades que associamos mais a este lado do mundo. Portanto, eu achei curioso de compositores asiáticos estarem a pegar em alguns modelos que associamos mais à música daqui e, então, pensei em pegar em alguns modelos que associamos mais à música de lá."
As marcas da música asiática em Salema estão “assim muito ao de leve, sem uma referência ou uma inspiração muito específica”. A compositora utiliza “melodias ornamentadas e uma composição com uma base modal”. “Houve um ou outro sítio em que utilizei uma escala, um modo que é mais comum eventualmente na música oriental. Acho que isto são referências subtis, que não são uma coisa muito óbvia na música”, acrescenta.
Assistimos também ao ensaio da orquestra, no Centro Cultural Amália Rodrigues, em Gondomar, dirigida pelo maestro Hélder Magalhães. Para a orquestra a oportunidade de trabalhar com novas composições é “de certa forma, mais desafiante, porque não temos referências”, explica o maestro.
“Quando é algo de novo, somos nós a criar essa referência para as outras orquestras que vêm de seguida. E nós temos sido uns privilegiados nessa matéria, porque houve momentos em que nós tivemos que pedir para escreverem. Neste momento, estamos numa fase em que os compositores nos pedem para tocar”, acrescenta.
Procuramos ainda entender o trabalho que uma orquestra faz na preparação de novos espetáculos e como trabalham composições inéditas. António de Sousa Vieira, diretor artístico da orquestra, refere que "cada compositor teve um 'set' de instrumentos diferentes. No caso da Fátima, foi pedido uma obra para orquestra de cordas, só de cordas dedilhadas, com bandolins, guitarras, com junção de contrabaixo e harpa".
Para aqueles que desconhecem o trabalho que está por trás de um concerto, tanto a compositora, como o maestro e diretor artístico da orquestra, esclarecem.
"Eu costumo compor ao piano. Porém, logo desde o início, tive muito presente esta ideia da instrumentação. É uma instrumentação muito peculiar, para a qual eu nunca tinha escrito. Já tinha escrito para grupos de instrumentos que incluíam o bandolim e a guitarra, mas nunca tinha escrito para uma orquestra praticamente só de guitarras e bandolins. São instrumentos que têm umas características muito específicas, que é, o som é sempre muito curto. Não há instrumentos, tirando o contrabaixo, que sustentem uma nota longa. Para termos som, obriga-nos a ter sempre notas e sempre atividade. Temos de ter sempre coisas a acontecer, senão há silêncio, senão não há som", explica a compositora.
Fátima Fonte refere que o principal desafio desta composição foi "pensar que tipo de texturas é que se podem criar com estes instrumentos, que têm esta característica sonora, e que também não fique cansativa ao final de dez minutos".
A compositora fez um trabalho de pesquisa de instrumentos de corda orientais, como a pipa, usada na música chinesa, tal como música tradicional asiática, em que "não houve nenhum esforço consciente de imitar, apenar procurei ver como é que instrumentos de cordas, com um perfil mais ou menos semelhante, soam noutras tradições musicais".
Para o maestro, o principal trabalho é "não defraudar as expectativas de quem escreveu a obra. Nós tentamos reger-nos pelas indicações do compositor, que às vezes poderá ter uma outra nuance em termos de andamento, em termos de dinâmica, em termos de caráter, articulação, que transforma também a obra".
"Salema" não é a única composição a ser apresentada neste concerto, "todas as outras obras que foram escritas a pensar a mesma formação". No domingo, vai ser ainda possível ouvir Spectra semitas iam peractas et exalta te ob hoc (Olha para o caminho percorrido e exalta-te por isso) de Lino Silva (2006), Gli Angeli del Monte Velino, bem como Torre Cerrano e La Légende de Ulisse, três obras de Francesco Civitereale (1959).
A orquestra prepara-se para gravar um disco integral de obras de Francesco Civitarialli, em abril. O próximo concerto da Orquestra Portuguesa de Guitarras e Bandolins, em que vão interpretar a obra encomendada ao compositor Pedro da Silva, no dia 12 de abril, no Cineteatro António Lamoso, em Santa Maria da Feira.