18 mar, 2024 • Rute Agulhas
No processo de escuta de uma vítima de violência sexual são ditas muitas palavras. Mas são mais os momentos de hesitação, de pausa e de vacilação. São mais os silêncios e os não ditos.
Para muitas pessoas, os momentos de silêncio são sentidos como muito desconfortáveis e particularmente difíceis de gerir e, por isso, tende-se a inundar o outro com perguntas. Perguntas que preenchem o vazio, é certo, mas que mais não fazem do que dificultar o processo de comunicação.
Os silêncios podem ser indicadores de diversos processos internos e ter múltiplos significados, pelo que devem ser respeitados.
O silêncio permite pensar, organizar o processo de raciocínio e facilitar, depois, a estruturação daquilo que se pretende dizer. O silêncio também surge associado à recuperação de memórias, guardadas a sete chaves e que se tentam, então, ativar e evocar.
O silêncio também ajuda a gerir as emoções que se experienciam e permite que a pessoa se mantenha dentro de uma janela de tolerância, regulada do ponto de vista emocional.
Quem permanece em silêncio, precisa de silêncio e merece silêncio. Um silêncio de paz e conforto, de escuta e de atenção. Um silêncio que permita a quem dele necessita sentir-se acompanhado e verdadeiramente compreendido. Sem que seja necessário dizer uma só palavra.
Recordo-me de uma mulher que se manteve em silêncio durante cerca de 40 minutos. As lágrimas desciam devagar pela sua face, sem pressa. Os olhos, encharcados, fixos no vazio. As mãos contorcidas, no colo, as pernas a tremer levemente. Uma postura curvada.
Assim permaneceu durante longuíssimos 40 minutos, que pareciam intermináveis. E quando, finalmente, falou, quase não eram necessárias palavras. Estava tudo dito.
Podemos treinar o silêncio. Saber estar em silêncio, connosco mesmos e com os outros, para melhor se conseguir, depois, aprender com o silêncio de quem está à nossa frente.
Rute Agulhas é psicóloga, perita forense e coordenadora do Grupo VITA