09 jan, 2025 - 17:20 • Pedro Mesquita
A Dinamarca, e a própria Gronelândia, começaram por responder a Trump que a ilha gigante do Ártico “não está à venda”. O argumento não conseguiu, ainda assim, desanimar o presidente-eleito dos EUA. Trump insiste na ideia, e já não descarta o “uso da força”.
A retórica expansionista do futuro inquilino da Casa Branca — já dentro de 10 dias — também já chegou aos ouvidos de Vladimir Putin. Dmitry Peskov, o porta-voz do Kremlin, avisa que o Ártico está na "esfera de interesses nacionais e estratégicos da Rússia", e sublinha que Moscovo "defende a paz e estabilidade na região".
A União Europeia também vai reagindo, a várias vozes, ao discurso de Donald Trump. A Alta Representante dos 27 para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, Kaja Kallas, pede respeito pela integridade territorial e pela soberania da Gronelândia. Ainda mais enfático, o ministro das Relações Exteriores francês assegura que União Europeia irá não permitir que outras nações "ataquem suas fronteiras soberanas".
Acontece que, apesar de pertencer à Dinamarca, a Gronelândia é um território autónomo e abandonou a Comunidade Económica Europeia há 40 anos. Contactado pela Renascença, Paulo Almeida Sande – especialista em assuntos europeus – sustenta que o argumento de Jean-Noel Barrot não faz sentido porque a Gronelândia saiu da então Comunidade Económica Europeia em 1985.
Paulo Almeida Sande declara-se, ainda assim, muito preocupado com o discurso de Donald Trump: “Parece-me ser uma deriva muito, muito, muito perigosa nas relações internacionais. Entraríamos, certamente, em território desconhecido”.
EUA
Presidente eleito dos Estados Unidos só toma posse(...)
Fará sentido a reação de Jean-Noel Barrot (ministro francês das Relações Exteriores), a dizer que a União Europeia “não permitirá que outras nações ataquem suas fronteiras soberanas"? É que, ao contrário da Dinamarca, a Gronelândia separou-se da então Comunidade Económica Europeia em 1985...
Bom, é uma afirmação que não é, obviamente, correta. A Gronelândia é uma região autónoma da Dinamarca. A Dinamarca entrou na União Europeia, então Comunidade Europeia, em 1973, e em 1985, a Gronelândia, enquanto território autónomo, saiu da então Comunidade Económica Europeia. Portanto, não é correto.
Agora, tudo isto tem, sobretudo, a ver com as afirmações de Trump nos últimos dias e que, de alguma forma, atingem uma dimensão que... não vou dizer descontrolada, mas ao falar do desejo de impor o controlo americano, se fosse preciso pela força — não descarta, pelo menos, esse uso sobre várias regiões como o Canal do Panamá, Gronelândia e até o Canadá — estamos aqui, de facto, perante uma situação a que o ministro francês terá querido dar uma resposta que, repito, não foi muito feliz.
Trump demonstra uma atitude expansionista que justifica, no caso da Gronelândia, com importância estratégica daquela ilha para os Estados Unidos. Entrámos numa nova fase da retórica mundial?
Obviamente aquilo que estaria em causa se, por hipótese, isto tudo se concretizasse, estaríamos num novo mundo, distinto daquele que foi criado depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo através das Nações Unidas, em que as regras sobre as relações internacionais estão bem estabelecidas.
Eu julgo que que nada disto irá, provavelmente, acontecer. Agora, o que é, enfim, não digo assustador, mas pelo menos preocupante, nestas afirmações, é a hipótese de dizer “bom, o uso da força militar não é descartado”, com base na importância destas regiões para a economia e segurança dos Estados Unidos.
Oxalá Trump não se lembre da ilha Terceira, nos Açores...
(Risos) Os EUA adquiriram o Alasca, há muitos anos, como sabemos, na altura à Rússia. Bom, os Açores têm a ver essencialmente com o facto de, pelo menos o grupo ocidental, estar na plataforma continental americana. Portanto, de alguma forma, a justificação geográfica poderia estender-se a outras realidades.
Mas repito: Este é o tipo de argumento que permitiria quase tudo às potências, que o pudessem fazer (anexar) argumentando com o seu interesse estratégico. Estamos a assistir a uma guerra na Europa, por causa de uma situação que, apesar de tudo, tem outros contornos, mas, neste caso, enfim, o argumento do interesse estratégico, dos interesses nacionais, do interesse da economia – e sabemos os recursos que tem a Gronelândia - parece-me ser, enfim, uma deriva muito, muito, muito perigosa nas relações internacionais.
Entraríamos, certamente, em território desconhecido.