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Ferrovia

Fertagus. Governo desmente autarca do Seixal sobre promessa de cinco novos comboios

31 jan, 2025 - 18:55 • João Pedro Quesado

A mudança de horários em dezembro cortou mais de 3.700 lugares na hora de ponta da manhã no serviço da Fertagus em Fogueteiro, apesar de o Governo ter anunciado “uma significativa melhoria da qualidade de vida para as populações” e “comboios menos lotados”.

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Ninguém prometeu novos comboios à Fertagus em troca do alargamento do serviço ferroviário a Setúbal. Em resposta à Renascença, o Governo desmentiu esta sexta-feira o autarca do Seixal, Paulo Silva, que disse nas redes sociais terem sido prometidos “cinco novos comboios que nunca vieram” para a empresa responsável pelo “comboio da ponte”, que assegura as ligações entre Lisboa e a margem sul do Tejo.

Paulo Silva, da CDU, publicou, na manhã de quarta-feira, um texto sobre uma reunião com a Fertagus acerca da “degradação do serviço” que começou com o aumento da oferta a Setúbal, a 15 de dezembro. Nesse texto, afirmou que a Fertagus se queixou “da falta de material circulante”, e que “alegadamente quando alargou o serviço a Setúbal tinham sido prometidos 5 novos comboios que nunca vieram”.

O Ministério das Infraestruturas e Habitação, questionado pela Renascença sobre a alegada promessa, negou-a, afirmando que “a tutela atual não fez qualquer promessa à Fertagus, nem recebeu este ónus de tutelas anteriores”.

A Fertagus tem ao serviço 18 automotoras elétricas, cujo proprietário é o Estado (através da empresa Sagesecur). Esses 18 comboios de dois pisos e quatro carruagens fazem parte de uma série de 30 automotoras que foram compradas pela CP em 1998 – enquanto 18 foram cedidas para o serviço de passageiros no chamado Eixo Ferroviário Norte-Sul, 12 comboios ficaram ao serviço da CP, onde fazem parte do serviço urbano de Lisboa até a Azambuja. Como o processo de compra de novos comboios é demorado, uma eventual promessa de aumento imediato do material circulante da Fertagus poderia ter impactos negativos na CP.

A escassez de material circulante, tanto na Fertagus como na CP, resulta de um facto a que o Governo é alheio, uma vez que continua a aguardar a decisão do tribunal em relação à impugnação do concurso para a compra de 117 comboios”, disse à Renascença, em respostas por escrito, a secretária de Estado da Mobilidade, Cristina Pinto Dias, acrescentando que também aguarda “os 22 comboios do concurso já adjudicado”.

Esses 22 comboios, comprados à Stadler em 2021, são automotoras destinadas a realizar serviços regionais, com entrada ao serviço projetada para 2026. Dez desses comboios são apenas elétricos, enquanto 12 têm também tração a diesel, para poder servir em linhas não-eletrificadas.

A compra de 117 comboios, adjudicada ao consórcio entre a Alstom e a DST em novembro de 2023, inclui 62 automotoras para o serviço urbano e 55 automotoras para o serviço regional, mas está parada nos tribunais - o que já obrigou o Governo a transferir quase 400 milhões de euros de encargos desta compra do Portugal 2030 para o Orçamento do Estado.

“A equipa da Secretaria de Estado da Mobilidade está a avaliar todas as possibilidades no mercado para encontrar solução de curto prazo”, afirmou Cristina Pinto Dias, explicando que isso inclui “apurar a disponibilidade de material circulante operacional ou em manutenção, com o objetivo de perceber se é possível fazer uma melhor gestão do mesmo e garantir melhor qualidade aos utilizadores”.

"Aumento da oferta" cortou 2.512 lugares na hora de ponta em Coina

“Desde que em dezembro entrou em vigor o reforço da oferta de horários para Setúbal, de 20 em 20 minutos, a procura teve um aumento total de 8%”, apontou a secretária de Estado da Mobilidade, enquanto “de Penalva a Setúbal, a procura aumentou 30%”. Aumentos para os quais pode não haver resposta do lado da oferta.

A oferta da Fertagus foi alterada a partir de 15 de dezembro, uma mudança que foi anunciada pelo Governo como “uma significativa melhoria da qualidade de vida para as populações dos concelhos da Península de Setúbal, nomeadamente ao nível da redução dos tempos de espera e comboios menos lotados”. A ligação entre Lisboa e Setúbal passou a fazer-se de 20 em 20 minutos, ao invés de apenas uma vez por hora, ou de 30 em 30 minutos nas horas de ponta.

“A circulação para Coina manterá uma frequência de comboios de 10 em 10 minutos nas horas de ponta e de 20 em 20 minutos nos restantes horários”, anunciou o Governo, proclamando ainda um benefício “também aos fins de semana e feriados”, quando os comboios também se passavam a fazer com frequências de 20 minutos em vez de 30.

A prática mostrou outra realidade. A partir da estação de Coina, no Barreiro, onde o serviço é intensificado para responder à maior procura existente, a alteração de horários de 15 de dezembro resultou, na verdade, no corte de 2.512 lugares entre as 7h e as 10h – o equivalente a um comboio duplo da Fertagus, assumindo o número de passageiros em pé numa situação de sobrecarga (780 pessoas), mais os 476 lugares sentados por automotora. Onde em fevereiro de 2024 existia uma oferta de 33.912 lugares nos comboios nesse espaço de três horas, passou a existir uma oferta de 31.400 lugares.

no Fogueteiro, a estação seguinte, a redução é mais dramática no horário entre as 8h e as 9h da manhã. Enquanto antes das alterações de dezembro eram realizados dois comboios simples e cinco duplos, as mudanças traduziram-se em três comboios de cada tipo, e uma redução de 3.768 lugares naquele horário - de 15.072 lugares para 11.364.

As alterações feitas aos horários a partir de 20 de janeiro, em resposta aos problemas de sobrelotação, reverteram a redução de lugares – os sete comboios simples (de 1.256 lugares) e dez comboios duplos realizados entre as 7h e as 10h voltam a oferecer 33.912 lugares aos utentes a partir de Coina. Contudo, não responde ao aumento de procura total em 8% indicado pelo Governo, já que os problemas de sobrelotação continuam – para isso, é preciso pôr ainda mais comboios é circular.

“Não há 2 comboios simples consecutivos no troço Coina-Lisboa, ou seja, os clientes têm sempre a possibilidade de viajar num comboio de 8 carruagens, 10 minutos antes ou depois de um comboio de 4 carruagens”, indica Cristina Pinto Dias, ecoando o que a Fertagus já tinha dito quando anunciou o ajuste na oferta em janeiro.

A concessão do serviço de passageiros no serviço urbano entre Lisboa e a margem sul do Tejo começou em 1998, com um contrato de 30 anos. A parceria público-privada foi renegociada em 2005 e alvo de acordos de reposição de equilíbrio económico-financeiro em 2010, 2019 e 2024, tendo sido prolongada até março de 2031.

Crucialmente, o programa de exploração do contrato, que estabelece o serviço que a Fertagus tem que disponibilizar, esteve sempre indisponível ao público. O acordo de 2024 diz que a Fertagus considerou esse anexo, assim como outros três, “segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa”. Na página da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, do Ministério das Finanças, o anexo surge como indisponível por ser declarado “confidencial pelo parceiro privado”, ao abrigo de um parecer de 2013 da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

Questionado sobre a falta de transparência destes documentos, o Ministério das Infraestruturas respondeu que “existe a transparência legalmente prevista, a qual deve respeitar o segredo de negócio das empresas”.

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