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Entrevista Renascença

Montenegro "não tem a mínima hipótese de continuação”, diz constitucionalista

28 fev, 2025 - 19:58 • Pedro Mesquita

Ouvido pela Renascença, Jorge Reis Novais defende que não existe outra saída para Luís Montenegro, no plano jurídico-constitucional, que não seja pedir a demissão. E se primeiro-ministro não se demitir, deverá ser o Presidente da República a fazê-lo, defende ainda.

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Entrevista ao constitucionalista Reis Novais
Ouça aqui a entrevista ao constitucionalista Reis Novais

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O primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou que no sábado, pelas 20h00, vai falar ao país, logo a seguir a uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros. Portugal está assim, mais uma vez, em suspense.

Na origem da crise política está a notícia, do “Expresso”, que o grupo Solverde paga 4.500 euros por mês à empresa familiar do primeiro-ministro.

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Ouvido pela Renascença, o constitucionalista Jorge Reis Novais diz que, a confirmar-se que existiu uma avença do grupo Solverde, desde julho de 2021 e até ao momento presente, trata-se de uma situação é ilegal.

No entender do constitucionalista, não existe outra saída para Montenegro, no plano jurídico-constitucional, que não seja pedir a demissão. E se primeiro-ministro não se demitir, deverá ser o Presidente da República a fazê-lo, para assegurar o regular funcionamento das instituições.

Legalmente um primeiro-ministro está, ou não, obrigado à exclusividade de funções? Faço-lhe esta pergunta tendo em conta as notícias de que o grupo Solverde paga uma avença de 4.500 euros por mês à empresa de consultadoria da sua família.

Partindo do princípio de que as notícias que hoje vieram a público são verdadeiras, que há uma avença que está a ser paga, desde há muito, à empresa do primeiro-ministro, toda a situação é ilegal. Isto é, isso não poderia ter ocorrido. O primeiro-ministro tem que estar em exclusividade de funções, não era o caso. Ele estava a receber uma avença ao longo de todos estes meses.

Mesmo dizendo Luís Montenegro que nada tem a ver já com a empresa da sua família (SpinumViva)?

Sim, uma vez que isso foi um artifício, como hoje é conhecido. Dado o regime de bens do casamento, a empresa continua a ser dele. Portanto, ele continua a receber aquela avença. Um primeiro-ministro não pode receber uma avença de uma empresa, qualquer que ela seja, quando está em funções. A situação em termos jurídicos é perfeitamente clara: tudo isso é uma situação inadmissível, eu diria mesmo inconcebível numa democracia.

Se por hipótese, amanhã, o primeiro-ministro insistir numa tese, que de resto já defendeu, pedir basicamente escusa em matérias relacionadas, nomeadamente com a Solverde - uma das empresas em causa - isso será possível?

Bom, há os dois planos: o plano daquilo que aconteceu até agora, e esse plano é suficientemente grave para não permitir, ou não dever permitir, a continuidade do primeiro-ministro em funções. E há um outro plano que é saber o que é que vai acontecer para o futuro.

Se para o futuro o primeiro-ministro quisesse continuar em funções com esse artifício - dizendo que pediria escusa quando houvesse conflito de interesses - é óbvio que da parte de um primeiro-ministro isso seria também totalmente inadmissível, porque um primeiro-ministro não tem, digamos, um domínio particular, uma matéria particular onde decida.

O primeiro-ministro conduz toda a política do Governo. Portanto não há situações de governo em que o primeiro-ministro possa pedir escusa, senão deixava de ser primeiro-ministro.

E também dificilmente, imagino eu, algum ministro iria decidir em prejuízo do primeiro-ministro

Claro, isso era uma situação também inconcebível. Portanto a situação é claríssima do ponto de vista jurídico, constitucional, político: Em qualquer Estado de direito democrático a saída para esta situação seria, por isso, simplesmente o termo das funções do primeiro-ministro, independentemente das eventuais sanções que pudessem ocorrer em termos jurídicos.

Só há, do seu ponto de vista, uma saída que é a demissão? Não há outro remédio, por exemplo, a venda da empresa a terceiros?

Num Estado de direito democrático não há outra saída. A única saída para uma situação deste género é a demissão do primeiro-ministro. Seja porque apresenta um pedido de demissão ao Presidente da República, seja porque o Presidente da República o demite, seja porque a Assembleia da República vota uma moção de censura.

Mas isso é a sua leitura política. No plano legal não haveria um remédio para isto?

Não, eu estou a falar do plano jurídico-constitucional. No plano jurídico-constitucional a única situação possível é esta. Faltava uma que era ele apresentar uma moção de confiança à Assembleia da República. Portanto, em todas estas situações o resultado normal será o termo das funções por parte deste primeiro-ministro. Não tem a mínima hipótese de continuação, a não ser que fosse uma farsa de democracia do Estado de direito democrático.

Imaginemos que, e disse-me que seria uma das hipóteses, Luís Montenegro apresentasse uma moção de confiança e lhe fosse dada essa confiança?

Diria que em termos práticos é impossível ser lhe dada a confiança.

Depende dos deputados.

Sim, depende dos deputados.

Mas se fosse aprovada, o primeiro-ministro teria condições?

Era isso que eu lhe ia dizer. Mesmo que fosse, apesar de o primeiro-ministro não ter caído na Assembleia da República, ele não teria condições jurídicas e políticas para continuar em funções.

A venda da empresa a terceiros, desculpe-me insistir, não é solução? Não vem sanar o problema?

Não é solução porque não apaga aquilo que já se passou até agora. A venda da empresa a terceiros poderia solucionar daqui para a frente, mas não elimina o facto gravíssimo de um primeiro-ministro em funções estar a ser remunerado ao longo de todo este tempo por uma empresa, ou empresas privadas.

Não sabemos das outras empresas, mas se o que veio a público acerca desta empresa é verdade, isso significa que o primeiro-ministro esteve em funções, durante este ano, sem ser em exclusividade de funções, a receber por outra empresa, o que determina o termo do mandato, até em termos jurídicos, em termos sancionatórios.

Só para concluir, caso o primeiro-ministro insista em manter-se em funções, o Presidente da República legalmente deve demitir o primeiro-ministro?

Claro. Se não houvesse outra solução, o Presidente da República, para assegurar o regular funcionamento das instituições, deveria demitir o primeiro-ministro.

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